sexta-feira, 29 de março de 2013

Abraçoterapia no "seu Benedonça"!

Ele oferece caronas e o pessoal do bairro nega e justifica que está com pressa. Acha que sou louca, mas só nós valemos a pena. Quando digo que faço um teste com amigo colorido, diz que teste é com carro. Me fez um suporte para saia de baiana na apresentação da peça Enfim, o Paraíso que só faltou usar esquadro e régua, de tão milimetricamente calculado e simétrico. Sempre conta que quando dormiu achando que os ETs deviam nos levar embora, sonhou com um disco voador chegando, se animou, mas um raio da nave o atingiu e ele acordou. Acha que Deus fez uma experiência com a gente, não deu certo e nos abandonou aqui. Minha via cômica irônica vem toda dele. Quis fazer uma terapia em grupo que uma prima coordena no interior e no meio de pais desabafando dos filhos alcoólatras e toxicômanos, "chorou as pitangas" pela filha dele fazer teatro, não ter trabalho e nem dinheiro... Mas depois reconheceu que não tinha problema. Acha que devemos cobrar uma espécie de pedágio de amigo colorido. Quando viu minha amiga me maquiando para irmos à virada na Avenida Paulista, avaliou que estava ficando sexy. Se me vê contando os motivos de término de namoro ou casamento, sempre acha que demorei para por ponto final. Às vezes resolve brincar de marceneiro de madrugada, para desgraça dos vizinhos e de quem mora com ele. Como eu, também não dorme lá muito bem. Quando era criança, me ensinou expropriação e distribuição de renda dando sem me explicar muito bem uma boneca minha para uma menina menos favorecida numa igreja,  no batizado do filho do amigo dele. Estou limpando os olhos nas fotos desse evento. Uma vez me deu um Autorama - que na verdade foi um presente para ele, já que nunca brincava de carrinho e ficava vendo meus primos atirarem os carrinhos na parede. Quando já tínhamos carro derrubei uma boneca da janela indo não sei para onde, mas ele não parou. Acha que devia fazer os sonhos dele, que depois meu filho realizará os meus. Corria atrás de mim em volta da mesa quando fazia greve de fome na infância e minha tia atrás dele para não me bater. Balançando na rede uma vez nos batemos na parede e eu muito civilizada descontei nele.  Meu pé no peito também provém do meu genitor. Me explicou o encontro do óvulo e espermatozoide com farelo de pão num café da manhã. Via filme de guerra de madrugada comigo e inventava uma justificativa qualquer quando perguntava se era invenção do filme aquele soldado querendo fazer uma barbaridade enquanto outros não concordavam. Era na barriga dele que acalmava da pressão alta no olho quando bebê. Foi o "motorista Jarbas" da minha adolescência, buscando e levando eu e amigas na danceteria e noutras baladas. Até hoje quando conto que atravessei a cidade ele quer saber qual o motivo de não pedir carona dele. Diz que minhas comidas naturebas são alpiste. Xingou horrores o frio na porta da igreja quando casei, mas foi a única vez que o vi correr para me despachar ao pé do altar. Me colocou num curso de desenho técnico onde me traumatizei com a régua e o esquadro e parei de fazer histórias em quadrinhos, mas tinha lá suas razões, afinal eu colecionava plantas de apartamentos de revistas, podia render alguma coisa. Me dava gibis e numa época assinou um "pacotezinho" em que vinha várias revistinhas da Turma da Mônica. Quando cismei de dizer que ia ganhar uma boneca cara que a propaganda anunciava, me explicou que não dava, compraria outra, era muito cara, como se fosse "adultazinha" pra entender o que dizia, mas devo ter compreendido, pois nunca bati pé em loja ou mercado por nada nesse mundo. Ficava enlouquecido por ser criança elétrica que não parava, corria, me ralava inteira. Quando minha mãe grudava enfeite na minha cabeça careca de bebê branquelo, ele tinha dó e tirava. Logo que nasci, meu primeiro presente foi uma blusinha do Corinthians, mas nunca me levou ao estádio. Na minha primeira formatura, disse que não dançaria, mas quando tocaram sei lá que música foi me pegar para circular no salão. Ele lê revistas de aviação, mas trabalhou e estudou com outra coisa. Às vezes quer nos contar o que lê em voz alta. Zapeia, não para em canal nenhum, mas num volume que não permite repouso num raio de 100 metros. Há 35 anos vou guardando uma memória mais engraçada do que a outra com ele, que hoje faz 68 anos. Afirma que já é do século passado. Não sei ele, mas o grande presente que dei para nós este ano foi ouvir a terapeuta e sempre que não conciliarmos opiniões  posturas, visões de mundo, abraçá-lo. Agora ele espirra, resmunga, dá coice, tira sarro, qualquer coisa e eu abraço. Ele faz igual o Bidu e vai esfregando a cabeça no carinho. Evoluímos um bocado, pois antigamente eu abraçava e ele dizia "igualmente". Agora vou conduzindo: "isso, solta esse braço, estica a mão, vai arredondando, agarra". E nos rendemos. À relação mais passional e exaltada que conheço (se há outras, são inconfessas). Uma colega que orienta a terapia constelação tem razão quando diz que a irritação era pelo amor que não conseguia fluir. Depois que ele circula... A gente vê eles como meninos meio perdidos emocionalmente no pré infância, que não deixaram chorar, apanhar de algum coleguinha folgado ou não queriam brincar sozinhos e saíam chutando a casinha das irmãs, como ele. Pronto! Você não bateria boca com uma criança analfabeta emocionalmente. Só abraça. E o que interessa circula. Inclusive os desejos de saúde, proteção e paz de espírito. Hoje e sempre.

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