quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Crônica de Natal

O menino entra no metrô, põe papeis pedindo ajuda em nossos colos e canta: que estão sem o que comer, o pai não mora com eles... E mais o ruído do trem não deixa ouvir. Fucei a carroca, achei umas moedas, quando ele voltou perguntei se queria o trocado ou o Cranberrie que estava na minha bolsa, quis saber se tinha fome. Quis tudo. Patética, falei pra deixar para lá o preço da zona cerealista no saco da frutinha, seca. Ele saiu da estação e eu quis mais era perguntar quem o ensinou a cantar. A ladainha lembrava capoeira e era mais original que a dos que fazem o mesmo noutros vagões periféricos.
Saindo da estação, converso com um menininho de 5 anos e seu "padrasto": seu nome é Good Luck, como o presidente da Nigéria, o que não importa, pois ficamos falando da massinha na escola, da pintura, que ele fez em todo o quarto, do pique que falta quando eles correm e começam a dançar break antes mesmo de aprender.
Importa sim: é filho de africano. E parece uma alcunha auspiciosa. A namorada surge e cada qual vai para um lado. Tudo na Companhia do Metropolitano dura um flash: o próximo trem, o novo colega, o reencontro...
Uma ex chefe distribuirá comida e bebida na rua das 14h às 22h, chama para participar, só que umas empreitadas culturais e gastronômicas já agitadas com antecedência me aguardam, que pena!
Pena não, o vídeo altoral de literatura infantil não foi possível sair, os celulares fizeram greve pré Natal, mas fui cozinhando e mantrando, cantando, lembrando de como os Hare Krishna fazem suas refeições e desejando que a comunhão culinária redima todas as diferenças, mal estar e picuinhas entre os que se revêm tão sazonalmente, se gostam, só que soltam faíscas com menor periodicidade.
Ensaio contos para as crianças no programa familiar de sempre e lembro muito do conto sobre o pai que vai para o outro lado do rio, do Saramago, a família estranha, tenta aproximar, a irmã do narrador vai até mostrar o neto depois que nasce, mas nada o traz de volta e ninguém entende esse apartamento do "capiau".
Me sinto um pouco como na história e a música El Otro Lado Del Rio, de Jorge Dexler: sentindo outras faltas, tendo outras crenças, sonhos mais rebuscados, dores quase intraduzíveis, infelizmente amigos antigos e famliares nos alijam do lado de lá da margem. Algumas saudades e outras faltas seguimos doendo e outras delícias já vividas ficamos gratas.
Já não importam presentes, comidas que não dou conta de consumir, as perguntas de sempre: a fase "tudo certo, nada resolvido" desfaz o mistério que nos acalentando, desistindo de mudar o imodificável ou de evitar se indispor com quem não tem essa pré disposição de pacificar os relacionamentos alivia o desgaste emocional de sempre de maneira sobrehumana.
Até dá a imprensão que será viável cruzar o rio de novo. Sondar a margem de lá. Ouvir outro idioma, mas não ter daltonia. Sonhar com o comando dos navios e não com a popa ou mastros perdidos/ avariados... Deve ser isso: no aniversário celebrado e rememorado mais de dois mil anos, a ideia é aceitar de dentro para fora e assim esfacelando os mais armados do caminho. Que a importância está no caminhar, não no onde.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Já pensou em concurso?

- Sim, mas sentei e esperei passar

- Ué, mas emitir um porrilhão de certidões, fazer projeto criativo empreendedor, levantar minha capivara e provar minha idoneidade em secretaria de educação ou cultura equivale à mesma coisa.
(acrescentar depois de comer uma rabanada:)
- Não, concurseiros ainda estão há zilhões de anos encostados nos pais, Nós só passmos para jantar quando a vertigem lembra.

- Você já pensou em fazer um trabalho mais significativo e encontrar a cura para sua gastrite?

- Sim, eu coloquei cabresto em meu cérebro de forma maternal: "já passou, foi só um pesadelo".

- Só que aí acordei e comecei a escrever um best seller.

- Sim, mas tenho medo de repartição.

- Aconteceu, mas o anti depressivo curou.

- Anualmente, nas ceias e confraternizações.

- Não sei, tem servidor bonitão por lá?

- Sobra tempo para ensaio, aula, trabalho voluntário e coreografia de dança brasileira?

- Prefiro ser a cigarra. Sabe o que estou ensaiando?

- Não, mas você podia pensar em contribuir com o meu crowfunding. Dizem que ganham bem.

- E você já pensou em não deixar os filhos com a avó?

- E dar um tiro de misericórdia nesse relacionamento moribundo, você avaliou?

- Sim, com a mesma periodicidade com que me entristeço com a recepção pouco calorosa dos parisienses... Deixa ver... Duas vezes em quase quarenta anos?

- Você já pensou em redirecionar o investimento a fundo perdido para parar a investida do tempo contra você em projeto educativo, cultural ou esportivo? Se não me engano, todos deduzem imposto.

- E você pensa em arcar com algum investimento meu ainda nesta encarnação?

- Tinha feito um propósito de ano novo para pensar, mas os editais, ensaios, aulas e namoros não me deram tempo, você acredita?

- Não acho de bom tom.

- Vovô se aborrescerá se te der a resposta que gostaria.

- Seria perigoso para eles.


- Tanto quanto penso na cultura adversa da Tasmânia.

- Já tem algum que ofereça assinatura de ponto e mecenato sem obrigatoriedade de frequência e não fiquei sabendo?

- É igual ao seriado global Aspones ou aquilo foi licença poético ficcional?

- Vocês já aceitam performers na repartição?

- Avaliei, mas o telemarketing é mais acolhedor com transexuais.

- Mãe! Pega de volta a educação que me deu fazendo favor?

- Quantos de vocês já fizeram residência artística internacional? Você acha mesmo que compensa?

- Pai! A manutenção da civilidade é mesmo necessária até o fim da ceia?

- Fiz, mas apanhei em sala de aula e achei mais digno passar o chapéu no metrô mesmo.

- Tira as crianças da sala para continuarmos o debate fazendo favor?

- A última informação que tive é que não trabalham com clowns lá, mudou a legislação?

- Fazer a unha, chapinha, estuprar o pé no salto e me violentar no vestido foi o máximo de flexibilidade familiar que consegui neste ano, quem sabe em 2015?

- Dilma descambaria de Brasília pra me puxar a orelha, seria vexatório para a categoria.

- E o que seria do humor de vocês se tivesse estabilidade e compartilhasse #partiuPatagônia no próximo fim de ano?

- Meus pais já infernizaram vocês com meus 20 dias fora, imagine se levantar verba para um ano sabático?

- Vocês trabalham fumando baseado? Ué, então qual a vantagem de não ser mandado embora?

- Nunca vi servidora com roupa multicor de figurino, logo não "orno" no ambiente. Né vó?

- Pq o pedido da vó para Deus era um trabalho perto de casa, que eu gostasse, pagasse bem, trabalhasse pouco, com chefe bom... Respeito a tradição católica meticulosa dela. Estou quase lá. Ela ficaria feliz não acha?

- Se você se propuser a desencostar do marido eu entro na promessa coletiva familiar e ano que vem realmente teremos milagres a compartilhar na ceia natalina.

- Precisamos ter o que discutir ano que vem.


- E o fetiche por travecos, também pensou em abrir o jogo? Esse ambiente de confraternização anual é bem propício. Não foi o tio que num fim de ano pediu para passar o peru e na sequência disse que era gay? Se bobear, com a bebedeira, nem ouvirão né?

- Me parece que meu carma vai melhorar mais se eu passar no programa de voluntários da África da ONU.

- Saiu a torta de abóbora! Também vai querer?





sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

"Miragens odontológicas"

No dentista precisamos de alguém que segure nossa mão, como no ginecologista e na depilação. Não são preciso carpideiras contratadas para chorar em enterros tradicionais do interior? Segurar na mão de alguém nesses consultórios assustadoramente brancos devia ser uma espécie de ritual. Em casos de fobia, o paciente devia ter direito a duas mãos. Não me perguntem onde enfiaríamos o assistente e o "escavocador de bocas", quero dizer, dentista. Desde a adolescência pergunto se eles têm pacientes com medo da cadeira da tortura chinesa. Sim, sempre, atendem às dúzias. Não me canso de propor que façam grafites detalhadíssimos no teto, os mais apavorados poderiam ter uma experiência estética e desViar o foco do "ziiiim da broca". Até mesmo quem "quase tolera" essas consultas, como eu, agradeceríamos. Quando ia nos que faziam perguntas de respostas analíticas e jamais conseguia conversar, tinha certeza que devia ser a profissão mais solitária de todas, mas depois que peguei estes concentradíssimos em "carpir polpa da
gente"... Que saudade de tentar teorizar qualquer análise complicadíssima com espelhinho, sugador e "rastelo" na boca. Desta vez sugeri que podiam usar toucas coloridas, como as que vi nas últimas vezes que fui para sala de cirurgia, dá uma descontraída antes de "entrar na faca". Soube que o branco evita proliferação de bactérias. Pode fazer sentido, uma amiga ouviu dum gineco há pouco que não devíamos usar calcinha coloridíssima, pois podem dar reações... Depois que picam "nosso rim" para sentirmos menos as "futucadas" deles, já ensaiamos "pagar de irmãos coragem" e engolimos qualquer ensaio de água salgada se precipitando na cara da gente, Aí aquele "quase mantra zuuuumm", mais algum efeito da anestesia, dão um quase sono, dá uma ilusãozinha de que pescamos... Mas constatando que permanecemos naquela brancura sem fim com a "trilha sonora de motorzinho tortura chinesa", a primeira má impressão que tenho é "morri... E o infermo é um restauro seguido de uma retirada de tártaro". Volta e meia tenho a má impressão de que não posso engolir o aguaceiro que a boca resolve fazer, percepção que o sugador não dará conta das "babas plus" que dá cria na boca, cismo que vou tossir e arruinar aquele trabalho artesanal da dentista... Era uma vez sono de cadeira odontológica. Às vezes o mal estar passa virando para a dentista, dá a ilusão que o aguaceiro vai para a bochecha e não causará nenhum estrago, mas daí também o ombro e pescoço vão pro brejo. Tentei cantar uns mantras, mas terminei sensibilíssima, chorando a cântaros, justificando do medo de ficar com buraco na boca depois do terrorismo que meu dente de leite não tem mais raiz. Saio pedindo "chazinho sossega leão" na maquininha da sala de espera. Tento "tourear o aguaceiro a troco de banana" o resto do dia todo, em vão. Ao menos a música de consultório tinha que ser um desbunde. Alfas e Antenas 1 estão censuradas! A ambientação de consultório odontológico tinha que ser inebriante. Jamais causar soluços o resto do dia todo. Não sei como não tem cadeira em que eles amarram pacientes. Bancando a Poliana, podia ser pior: na época da minha mãe era boticão e ele só "esvaziava a boca", bem "sangue nos zoio" mesmo. Acho que fiquei mal acostumada às da infância que tinham bichinhos na sala e dava bonequinhos na saída aos bem comportados. Campanha por um entretenimento dispersivo ao paciente odontológico!

domingo, 7 de dezembro de 2014

A existência não pode estar assim tão enganada

A internet parece não saber que não quer mais conversar comigo. Mas deve desconfiar que sinto sua falta. É sua foto que surge a cada mensagem. Seu nome escapa por entre procuras. Seu sobrenome cai no colo entre um post e outro. Aprendi que eu também não sabia amar. Sigo improvisando. Não é todo ano que ficamos fragilizados e um companheiro de outra vida vai lá e discute contra grosseria em serviço público. E a nosso favor. Pronto, a "filhauniquice" aqui já interpretou enviesadamente: ganhei irmão mais velho sem que cantassem a bola preparando: "o gato vai subir no telhado"... Não. Você foi lá e já ocupou a parte que lhe cabia num coraçãozinho ressabiado, que até hoje mais late que oferece lambidas gratuitas. Retribuí como consegui àquela altura do campeonato: mimei gastronomicamente. A memória me engana. agora com a justificativa de ter ficado assumidamente "retrô". Teu scanner professoral detectou minha analfabetice emocional. Vimos filme zen. Rezamos. Mantramos. E a gata meditava entre nós. Que golpe baixo essa saudade dose dupla pior que whiskie a seco. Sem gelo. Nesse calor tropical de Meu Deus. Mas ok, me apaixonei por nosso clima aos 45 do segundo tempo, em terras gélido temperadas. Época boa para faxinar sua casa e lembrar o quanto amo limpeza com água. Deve ter a ver com a identificação com Oxum, feminina, das águas e sensibilidade. Descobri que sua versão livremente etílica dançava. Fazia rir. Dizia barbaridades. Divertia "azamiga". Tirava da manga no dia seguinte uma brincadeira para estancar meu choro pós ressaca. O inferno do excesso do meu choro, talvez já te cutucando a gastrite. Para aliviar a mão, massageio. É lá essa maneira de "por a mão na massa" numa tentativa de tatuar em ti "gosto, mas não tenho ideia como verbalizar sem chorar com essa chita me lembrando o diabo da casa do meu avô". Sinto retardatariamente pelos exageros meio astrológicos. É verdade, o mestre budista ensina a olhar o mapa, se espantar dele nos desnudar e atirá-lo ao fogo, pois posso me reinventar. A reforma íntima dos meus deslizes não ocorre em tempo hábil de não te ferir. Pode ser que os anos e anos de espiritismo não foram lá de grande serventia, Devo estar na pré infância espiritual. Mas em noites como essa, hiper sensíveis, desentendendo o que lateja e querer colo, lembro da tua mão segurando a minha e ensinando a ferro e fogo: "a existência não pode estar assim tão errada". Pode não mano. Que maneira tortuosa de se ensinar, mas está impresso aqui em cada célula, essa forma comedida de se gostar. Uma estranheza para essa veia passional exaltada familiar. Mas o oposto põe a gente noutro lugar de troca e crescimento. Conto história e lembro do seu olharzinho puxado se arrepiando numas vírgulas, travessões e dois pontos. Não era melhor, nem pior que a plateia atual. Essa só sua maneira introspectiva de troca. Para a qual esse drama de atriz sob holofote causa overdose. É um pouco melancólico não ter dividido o quanto dilatou minha forma de olhar e me por em teu lugar rindo e chorando com cena, take, esquete, sempre alternativos. Mas o ganho no falar e me colocar no mundo segue por vidas. Você não tem ideia, mas pintou com tinta corrida teus interlúdios silenciosos em mim. A ponto de querer pedir silêncio em ônibus ou madrugadas afora. A contemplação é um modo de ver o mundo em tons pasteis que combina com os cliques zen que vivencio "de quando em vez". Foi seu orgulho de sócio educador que engatilhou em mim uma paixão sangria desatada por criança, didática, lúdico e aprendizado conjunto. Teve até retorno inesperado, mas não é viável compartilharmos essas conquistas. Reinventei o olhar político há anos brochado com uma visão crítica que experienciei contigo, mas perdi em alguma esquina de militância desencantada. Não deve haver mais ninguém com quem estar próximo em quieta completude seja uma experiência mística de conexão fraternal como é contigo. Outro que leia meus pensamentos em pequenos desejos cotidianos ideológicos. Sua percepção do indigesto escancarado no meu não dito. A maneira como relativizava essas indignações passionais femininas. Mas você estava bem acostumado à prática desse gostar contraditório entre irmãos. E eu, não pude reaproveitar a experiência com amigos imaginários para esses desafios de expansão do emocional com irmãos que a vida joga no colo a toque de caixa. A literatura vira então essa maneira meio autista de sublimar o vácuo que suas ironias, lições, companheirismo e risadas escarificaram nalgum ponto inacessível de mim. Era paixão não brother. Ela não abre espaço de alegria com a felicidade alheia. Só de angústia. Tinha completude demais no estar perto para envolver sentimento adolescente. Mas no que é amorosamente relevante, minha habilidade verbal é nenhuma e chega em doses homeopáticas. Foi delusão, mas como era convincente!