quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ainda na rua uma hora dessas?!

Saio da farmácia e quando entro no metrô, sou surpreendida pelo telefonema da irmã que Deus não deu, mas a vida concedeu, preocupada com meu destino e aconselhando no celular:
-Vai dormir na sua amiga. Decretaram toque de recolher no Heliópolis e não sai mais ônibus nenhum do Terminal Sacomã desde as 19h30.
Bem que eu e o professor de história desconfiamos que a mensagem não tinha sido compreendida ao término da 14ª Caminhada pela Paz, ao ver os alunos da capoeira praticando golpes tão efusivos depois de andar a tarde toda, 4,5 km pela comunidade com a mensagem do bairro que queríamos para nós.
Queríamos. O editor de vídeo favorito da minha vida tem razão: este tempo verbal indica ilusão. Ou como respondeu um cineasta espanhol quando questionado por um estudante: “a utopia serve para nos fazer caminhar”. Sintonizo tudo que é rádio pelo celular, mas a Voz do Brasil impera com suas notícias nacionais. Eles defenderam a manutenção do programa neste horário há poucos dias – mas a necessidade de novidades locais deveria vir na frente, que já estamos fartos das imposições federais.
Como é decretado um toque de recolher? Sim, pois a comunicação não é tão eficiente quanto nos rádios internos do metrô, a ponto de auto falantes reverberarem a preocupante imposição: “não entrem nem saiam de suas casas, comércios ou escolas: as ‘quebradas’ da comunidade agora são nossas”.
Os chefes do tráfico não mandam release. “Chefões da máfia regional decidem mandar o bairro parar às sete da noite”. Não. Provavelmente um zum zum zum, digno de rádio pião fabril, “esparrama” o apavorante alerta: a movimentação pelo bairro está congelada. Mais que isso, proibida. Quem decide quem entra e quem sai são eles. Depois de 14 anos de caminhadas pedindo paz na região, o que conseguimos? Nos espantar constatando que somos reféns desta ordem surda, enquanto lemos no dia seguinte no jornal gratuito que o governador afirma: “incêndios de ônibus e mortes de policiais são episódios ações isoladas”. Isoladas dele, em seu castelo de faz de conta do Morumbi. Para a maior favela de São Paulo – sim, estamos próximos dela e de seus tantos programas comunitários, agora já sem tanto orgulho, isolados estamos nós.
Alguns em casas de amigos. Outros presos no terminal de ônibus, perdidos feito baratas tontas: fugir para um parente? Tentar uma rota alternativa? Proibidos de voltar para casa. Casa? Já não é mais nossa. O direito de ir e vir é letra morta. Ninguém nos salvará do risco de bala perdida nos acertos de contas entre policiais e bandidos. Do medo de seu ônibus ser o próximo alvo. Não por acaso tinha ouvido moradores dos bairros próximos das regiões da Anchieta reclamarem destes perigos no metrô, ontem ou anteontem.
A parte que lhe cabe neste latifúndio é rezar. Ou melhor, lembrar em quem votou nas últimas eleições e fazer diferente. Um pouco desta várzea urbana está sendo colhido por alguma irresponsabilidade ou distração que a maioria plantou. A inconformidade é de quem não conduziu de volta ao poder estes governantes “blasé”, que não tem nem uma declaração sobre as baixarias de ontem no jornal. A TV, ligadinha no maior canal do País no café em que me refugiei com uma amiga, também não colocou no ar nenhum plantão alarmante. Tudo azul no céu de brigadeiro da mídia. Enquanto somos impedidos de voltar para nossas casas, a casa não cai para eles. Por enquanto, pois o poder rasteiro dos traficantes sem propaganda da periferia de São Paulo está afiando suas garras. Se continuarmos assim, qualquer dia acordaremos no Complexo do Alemão.

Atualização de 8 horas atrás não me ajudaria a saber se já dava para voltar para casa na noite de ontem, né Estadão?

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Um dia vira a dor que já não dói...

Ontem fui me despedir da minha terceira avó: a que cuidou de mim quando minha mãe voltou a trabalhar. E não só de mim, também "olhou" as netas, que reencontrei já tão crescidinhas quanto eu e embora mais novas, já com filhos. É meio estranha esta percepção, mas foi um velório com muito reencontro de vizinhos  da minha periferia favorita. Já ouvi dizer - em algum centro espírita, provavelmente, onde recomendam "o silêncio também é uma prece", que aquele blá blá blá todo ao redor de quem acabou de partir não é bom para quem está numa passagem delicada. Mas como tagarela convicta só fui em despedidas meio parecidas: pouco solenes, com Deus e o mundo se revendo e pondo a conversa em dia. Os loucos se atraem: tenho muito amigo que adora uma prosa, seja lá onde for. Ao menos ontem não tinha meu tio que nem piadas economiza nestes ambientes: as últimas deles foram um tanto quanto desastrosas (se despediu com um "até o próximo" e quinze dias depois morreu o filho do morto, mas isso foi em família, onde todos mandaram ele "praticar o nobre silêncio" no fatídico reencontro). Revi meus ex sogros e cunhada, fiquei aliviada de ver que ninnguém está aborrecido. Também soube que minhas companheiras de infância, com quem dividi esta "avó adotada", já moraram fora, casaram e estão trabalhando com o pai. Como não relembramos muito nossos áureos tempos de "criança feliz", acho que hoje levantei meio nostálgica. Nós brincávamos de casinha ocupando quase todo o apartamento da "avó" - uma visitava a outra no cômodo ao lado. Ela teve mesmo muita paciência. Quando minha mãe retomou a dupla jornada tipicamente feminina, eu fazia chantagem, embora nem lembre, mas claro que ela não esqueceu: dizia que não comeria a maçã que deixava para quando voltasse da escola. Dava uma mordida, jogava fora e tomava uma providencial bronca. Era daquelas que abria a lancheira e dividia com Deus e o mundo, as professoras achavam lindo, elogiavam para meus pais, mas a intenção era não comer mesmo, eu quase vivia de luz. Eram tempos libertários: sem a mãe no pé, comecei a relaxar para escovar os dentes e tive minhas primeiras cáries. Por incrível que pareça ontem também estava lá a dentista de nossa infância, que dava brinquedinhos de plástico, graças a qual nunca tive medo de sentar na única cadeira em que fico quietinha. Levei uns anos para entender que minha mãe tinha medo é do boticão, que só aparecia para arrancar os dentes, quando já não tinham mais salvação, lá no norte do Paraná. Mas o importante é que por causa da minha terceira avó e suas netas, as esperas pela minha mãe que demorava para voltar do trabalho eram mais curtas, leves e divertidas. Nem lembro se brigávamos. Pelo clima ontem já passou tempo suficiente para relevar tudo isso. Minha avó postiça nos levava para brincar na casa de quem se tornaria meu namorido anos depois e contava a mãe dele que ficávamos conversando enquanto as minha amiguinhas e futura cunhada corriam pelo apartamento. O namoro durou o quanto tinha que durar, já nos tornamos amigos novamente, mas não conseguíamos lembrar disso, só confiávamos na memória materna mesmo. Minha mãe ter voltado a trabalhar lá pelos meus 6, 7 anos me tornou adepta de acreditar mais em qualidade de tempo junto do que quantidade. Meu pai falava para ela voltar, já que quem só fica em casa dá uma pirada. E eu forçosamente ganhei maior socialização com a vizinhança, que se dependesse da superproteção típica de filha única que recebia, acho que nem rolaria. Na época lembro que era meio metida a desenhista (dizia que trabalharia com o Maurício de Souza da Mônica), mas quem virou designer foi uma das netas de verdade da minha avó de coração. A outra é dona de casa, mas já tem gêmeos! Esses devem dar um baile danado - fiquei meio traumatizada depois de passar uma tarde e começo de noite com uma amiga e sua filha de 3 ou 4 meses para conseguir "almojantar" uma torta de frango muiiiito tempo depois da minha chegada no seu aniversário. Trabalho doméstico e maternal é B.O., diz ela - e eu assino embaixo, pois cheguei exausta depois de só ajudar meio período. Nossa avó estava numa casa de repouso - parece que ela estava com começo de Alzheimer ou o tempo já estava levando boa parte de suas lembranças, pois antes de ir para lá já não recordava de muito que tentávamos dividir com ela. Eu, minha mãe e minha madrinha de Crisma bem que tentamos visitá-la, mas ficou só na intenção mesmo. Grazie a Dio não tenho culpa não. A que vi ontem no caixão não era a "vozinha de açúcar" que me preencheu tantas tardes, com seu misto de amor e cuidados zelosos. Muito se apagou até da minha memória. Tomara que minhas "meias primas" que compartilharam estes bons tempos com ela e comigo tenham guardado mais. Na memória e no coração. Vai com Deus dona Ordália! É o pingo de gente da foto que se despede, não a adulta relapsa de hoje em dia tá?

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Mais de 30 escolas se unem na caminhada da paz

Meu bairro não tem lixeiras verdes suficientes presas aos postes. Tive que insistir com meu lixinho na mão até encontrar uma. Acessibilidade também não é nosso forte. A calçada de cada casa tem praticamente uma rampa particular para seu carro, o que dificulta até para quem anda bem, image um cadeirante. Mas ele tem há 14 anos a caminhada pela paz do Movimento Sol da Paz, que iniciou depois que a aluna Leonarda saiu à noite da Escola Campos Salles e foi assassinada com tantos tiros no rosto que o diretor de seu colégio não conseguiu olhá-la no caixão e chamou líderes comunitários para começarem este movimento. Sua avó estava presente, de bengala, para apoiar nosso sobe e desce de 4,5 km nas ruas e vielas do Heliópolis, a minha comunidade. Ganhamos girassóis para pendurar nas roupas, além dos símbolos rosa contra o câncer da mama e vermelhinho de conscientização da Aids.

Revi o Brás, diretor do colégio em que fui voluntária por um ano com contação de histórias, pelo Amigos da Escola e também a professora da sala de leitura, que comemorou na época o aumento dos empréstimos de livros. Conversei com a professora de artes e ainda conheci a apostila do município, que tem até a Mafalda do Quino entre as sugestões de aula. Soube das aulas gratuitas de teatro, percussão, capoeira... Descobri caminhando, que os moradores já contam com do in, reflexologia, meditação, academia comunitária, biblioteca... E que a rádio já mudou de endereço, não fica mais tão perto da quadra. Gritei com professores, alunos e moradores um longo grito "de guerra", que entre outras coisas dizia "que a paz nasce com as crianças e cabe aos adultos sustentá-la". Me espantei com a participação do abrigo para moradores em situação de rua Arsenal da Esperança, que veio da Móoca para participar. Conversei com um monge de lá, Marco, italiano, engenheiro de telecomunicações, que estimula o pessoal a não só estudar e conseguir um trabalho, mas a toda semana fazer algo por orfanatos, praças... Em 4 anos, já são 450 trabalhos voluntários, que trazem para eles o sentido maior da existência. Todos com camisas vermelhas que traziam uma espécie de slogan "floresta que cresce", já que "faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que cresce", de acordo com este moço, que documentava tudo para por uma trilha sonora depois. A bandeira deles tinha várias bandeirinhas de diversos países ao redor do pedido Pace (paz). O monge justificava que a paz tinha que ser de todos, ou não seria de ninguém. Vi o pessoal do marketing da Caixa lá, teve cobertura da Bienal (que já levou as crianças para lá e ainda fez com que elas criassem álbuns), do Diário de S.Paulo e se não me engano, do SBT (ao menos tinha um carro deles na Estrada das Lágrimas).  Estava como criança, redescobrindo o bairro depois de 5 anos fora: o Shopping do Real ("aqui seu dinheiro vale mais"!), os moto táxi ("tudo é passageiro... para nós, o passageiro é tudo), o Mec Favela, as ruas da Alegria Popular e Castelo dos Sonhos. As crianças em caixotes transformados em ambulãncias, de touca e máscara médica, pedindo por saúde de qualidade. No finalzinho, revi o professor Israel, que deu tantas caronas para mim e outra amiga da Faculdade Paulista de Artes nos últimos três anos (soube que ela está de volta ao bairro). Claro que fomos todos bebemorar num boteco, que a turminha do Campos Salles já não é mais a mesma, mas continua divertida. Depois ainda contei com a companhia do Isra para carregar meu bilhete único e matar as saudades da Estrada de São João Clímaco (sim, só nós conhecemos este santo, mas e daí?). Ri de um senhor que jurava para nós "nunca entendi porque velho é chato, só quando virei um. Nunca vire velho". Ganhei carona dos pais mais preocupados do que nunca, já que tinha saido cedo de casa e - fazer o que? - sou filha única. Eles bem que tentaram, mas estava bem humorada demais para bater boca. É tão única esta sensação de pertencimento. "A gente pode sair da periferia, mas ela não sai de nós". Nas últimas semanas vi Fernanda Montenegro no teatro, consegui vaga para fazer dança de salão e pilates e ainda assitirei Fábio Assunção. Claro, só podia ser ano de eleição. Mas estamos de olho, passamos a tarde de ontem alertando as pessoas para participarem do quanto o governo arrecada, onde investe, em que aplica. Vimos tantas pessoas nas janelas, nas portas, pondo bandeiras brancas em suas casa e comércios, apoiando ainda que com cartazes simples. É como já comentou Luís Nassif: igualzinho à lenda de Anastácia, que vai buscar longe, mas encontra a felicidade do lado, fui curtir na Vila Mariana a proximidade do Sesc, do metrô e do Parque da Aclimação, mas é nesta quebrada aqui que me sinto em casa.
"O que você faz pela paz"? Titãs
Bem, depois de ouvir uma moça reclamando no ônibus de sete assaltos numa rua do bairro e outra com medo de descer no ponto final porque tem uma "louca esperta" que só joga pedra em criança e mulher, ontem eu plantei minha sementinha. Olha a cobertura de parte da imprensa aí:

Eu e o Bidu também acreditamos que "no coração de quem faz a guerra nascerá uma flor amarela... Como um girassol"... E você?

Nos últimos dois dias teve um Festival da Paz, com vários grupos de crianças apresentando o que prepararam para reivindicá-la. Teve um grupo que fez uma coreografia com a música Brasil do Cazuza. E ainda tem quem ache que o povão só quer ouvir Michel Teló! O carro de som tocou muito ela ontem.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Insônia criativa

Acintosamente você dorme. Devo confessar que invejo a capacidade de quem dá boa noite e já embarca rumo aos delírios idílicos mais criativos. Estava irriquieta demais para conseguir, como você amiga, o merecido e restaurador repouso noturno. Escrevi na agenda, como quem volta à adolescência - por para fora, seja digitalmente ou com a boa e velha caneta é sempre terapêutico. Acabei de ler Fora de Mim, da Martha Medeiros e achei meus finais de relação tão light, bem que minha tia tinha dito, não era romântica como a escritora gaúcha. Brinquei com seus gatos. Mas eles levaram horas para começar a miar e eu tentei adivinhar se reclamavam da falta de areia para o xixi, se queriam comida ou atenção mesmo. Assaltei sua geladeira e encarei uma maçã da Mônica - gozado como não dormir dá fome e a gente não está fazendo cáspita nenhuma! Também devorei o lanche que tinha me oferecido mais cedo e fiz uns dois chás. Baita propaganda enganosa do Doces Sonhos, não consegui nem ressonar meia horinha que fosse. Se tivesse a senha do seu computador, acho que escrevia meus projetos, o livro e a peça que ficam pulando feito macaquinhos no sótão em plena madrugada na minha cabecinha. Muito libertador você morar na Liberdade. E pensar que durante o dia as ruas próximas ficam o próprio inferno, entupidas de carro e gente. Na madruga todos me esnobam com seu sono comprido e profundo. Onde será que foi parar o meu? Podíamos ter uma tomadinha, um botão liga desliga, para fazer os neurônios "darem uma trégua" na marra. Encostei a porta do seu quarto e arrisquei um torpedo para três amigas irriquietas como eu. Uma retornou, com todos os bons conselhos do mundo para quem não se restabeleceu do cansaço do dia e pode fazer estragos em crise criativa insone. Mas os créditos não podiam ser tão generosos e claro, nos deixaram na mão. Testei todas as posições no sofá cama novo da minha anfitriã, claro, sem sucesso e ainda por cima, sozinha. Kama sutra solitário. A noite ia ser longa. Um filme talvez? Sou meio nó cega tecnológica para por em funcionamento sozinha esta "tevezinha" tão digital e high tech. Usei o ursinho de pelúcia que tinha me oferecido como almofada e também experimentei dormir abraçada, embora isso definitivamente não fosse "minha cara". Se desse corda para meu estômago, que fazia o mesmo escândalo daquele leão da MGM no começo dos filmes, acho que acabava com seu estoque de alimentos todinho. Contar carneirinhos? Nada do mundo animal me auxilia a cair nos braços de Morfeu. E seus gatinhos mostrando o quanto têm personalidades opostas: um mostra a barriguinha para ganhar cafuné, a outra, se encolhe, arisca. Seis horas e seu despertador só me lembra o quanto não dormi... Vamos lá, conseguir ingresso para ver Fernanda Montenegro onde agora moro, fim do Ipiranga. Será que você vai comigo em plena quase madrugada? Amiga é para estas horas "dificultosas": não está elétrica como eu, mas "devagar e sempre", se prepara para se estapear por uma entrada no CEU Meninos. A "viagem" também vai ser longa, se o Metrô e a SPTrans escancararem sua ineficácia no transporte público logo cedo. Mas só de ter com quem confidenciar minha exaustão, já é lucro! E "vamos nós" rumo a um dia cheio de coisinhas a por em ordem: comprar creme para o cabelo "black power ruivo" no paraíso da mulherada Ikesaki, resolver pendengas burrocráticas no Banco Santander (virou hispano-brazuca e jogou no lixo a saudisa eficiência do Real...), andar com meu filhote canino Bidu, rir do mestre de paciência meu pai...