segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Escrever é resistir

Finalmente consegui doar uma aula numa escola ocupada! Tudo bem que fui como apoio da aula de literatura e resistência, de colegas e lá na zona oeste - bem, perto de casa não tive muito retorno... Fomos num grupo de cinco professores, pois a ideia era auxiliar com a revisão. Tem um tempozinho que desconfiava que dar aula para adolescentes interessados devia ser outro esquema. Para os adultos a fim do EJA tem sido assim. E nada me tirava da cabeça que havia sim, adolescentes querendo o que tínhamos estudado e propúnhamos como oficina, debate, troca... 
Literatura foi e sempre será minha paixão inveterada: descambamos no jornalismo por gostar de escrever - quando prestamos o que fazer com uma ânsia dessa? Jornalouquismo. Algum tempo de estrada e cabeçadas mais tarde aquilo não faz sentido: estudamos apenas redação jornalística e já ensaiava meus livrozinhos e versos há décadas.
Pois foi nas oficinas do Museu Lasar Segall, Casa das Rosas, com as escritoras do projeto biográfico A História que Você Tem que Contar e no grupo livre de escrita na casa da ex chefe, atual amiga que fui burilando mais as crônicas, poesias, contos e até ensaiei diário de viagem. De lá vieram participações em crônicas e agora, edito meus livros solo que virão por publicação fomentada.
Bem, era estudo e experimentação demais pra uma tarde só. Hoje ajudei a revisar, dei dicas "para gostar de ler" e especialmente, troquei ideias com os estudantes ocupando a E.E. Ciridião Buarque, na Vila Ipojuca, em São Paulo. A riqueza da sala de aula são as pessoas mesmo e sempre serão. Um deles me contou que hoje era o primeiro dia que conseguia ir, pois os pais não queriam que participasse: "mas olha, à tarde as aulas são sempre bagunçadas, está tudo organizado, na aula de vocês ninguém interrompeu, atrapalhou, participaram com o que tinha a ver, impressões sobre a cobertura da imprensa distorcendo tudo, do que conhecemos sobre o que passaram para nós. Estou espantado"!
A outra que conversei, Giovana, vinha da Amorim Lima, uma escola municipal democrática em que tudo é definido em parceria com os interessados e no Estado foi um choque de ponta a ponta "o sinal era meu primeiro susto. Sabíamos que hora entrar e tínhamos interesse na municipal em que fiz o fundamental. Sempre passeávamos lá e em três anos aqui, nunca aconteceu uma excursão. Aquela lista enorme de chamada, somos só um número, ninguém nos ouve, conhece, quer saber o que nos move... Um projeto das praças aqui perto ficou anos tentando apresentar o que fazem e negociar parceria, mas nunca houve abertura da direção, só agora ficamos sabendo. Nem lista de chamada rolava na Amorim. Tudo aqui é meio fábrica, linha de produção, impessoal".
Outro estudante comentou que a escola tinha sim, sido paga por nós com nossos impostos. Uma participante contou que o que a mídia denomina reorganização eles chamam de desorganização. Uma aluna comentou que gosta da Ligia Fagundes Telles. Foi muita troca rica, vimos que estão tocando a cozinha e fazendo as assembleias com propriedade, como desconfiava para o movimento ter crescido tão rápido. Essa é uma formação para a vida e não só para preencher documentação pedagógica.
Moral da história: não é que eles não queiram nada com nada, somente nunca foram consultados sobre o que os interessa, Basta dar uma checada nas oficinas que estão agitando e conferindo em diversos colégios: mediativismo, feminismo. resistência pacífica, teatro da resistência...
Eu lembrei minha época de Fora Collor. Outro professor foi da geração Diretas Já. São esses meninos articulados, conscientes, contestadores que estão gestando essas escolas mais bem geridas por eles, adolescentes, que pela tucanalha. Quando eu voltar a ser adolescente, quero ocupar minha escola.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lapidando a Forrest Gump de saias

"Sou o pirata da perna de pau/ olho de acrílico"... Não cabe na música, mas o último quase um mês foi voltar ao velho tampão da infância de modo atualizado: grudar um acrílico no olho para não coçá-lo à noite - não por acaso tive um professor de física que nos aconselhava a não coçá-los até o orgasmo e olha que ele nem sabia que sou glaucomatosa. Nas últimas três semanas tive coceira da fita crepe, arranquei o tampão com o namorado acordando com o barulho e pedindo para recolocar e até acordei com ele na mão sem lembrar de tê-lo tirado. Mas diverti a Peteca jogando bolinhas de fita crepe pra que corresse atrás, amarradona. A única vantagem foi não ter colega de escola me chamando de pirata, eu brigando e ir parar no castigo. Perdi dois colírios, os alarmes não tocaram, descobri que esforço é muito mais que carregar peso, furei o repouso sem me ligar, depois também fiz de conta que não era comigo e... rezei. Tomei patada de gata. Estudei, desisti de curso com dor no coração, revi amigas mais preocupadas com minha rebeldia cirúrgica que eu mesma, perdi bolsas de oficinas, cansei mais revendo conteúdo que pondo a mão na massa. Tive um fiapo esperançoso pelo caminho. O olho deu uma sangradinha e a vermelhidão parte em suaves prestações. Adiantei as férias sem querer e alterno entre leitura, visitas, filmes e tédio. Atualmente me sinto feito o jogador Amaral do Palmeiras ou a Marta Suplicy pós botox visitando o CEU aqui perto, com um olho abrindo e o outro fechando. Começo o post nesse balanço para confirmar que uma vez jornalista, sempre jornalêra: nossa visão crítica  beira o insuportável. Como meu inferno astral está acabando, estou naquela inevitável fase de fazer balanços, sejam lá quais forem. Não temos nem um mês útil pela frente mais. Já estamos cruzando com decorações natalinas, ouvindo ou lendo "boas festas". Me parece o primeiro em muitos anos em que as coisas melhoraram horrores: finalmente meu trabalho me parece significativo. Fico enlouquecida com burrocracia, como também fiquei em comunicação, mas ensinando, contando história, formando, editando livro, propondo projeto em grupo, volta e meia algum retorno muito humanizado faz a ralação toda fazer algum sentido. Esse que fiquei quase décadas procurando. Às vezes encontrava em algum retiro, mas sair das bolhas de espiritualidade e voltar ao "sanguenozoio" da comunicação desmoronava qualquer construção de paz de espírito. No jornalismo também elogiaram texto, me chamaram de argumentadeira, fui um razoável iniciadora de estagiários e assistentes com os quais ainda tenho contato e se deram bem, obrigada, mas... Tudo era corporativo demais para alguém tão passional e lúdica como eu. Tenho toda licença de ser brincalhona de ponta a ponta nas creches. Para alegria do coletivo, sento e quase faço psicografia de projeto. Os alunos são uma graça, as chefes das chefes e os professores também. Por ser insuportavelmente idealista ainda me pego sonhando só com oficinas, livros, contações e projetos, mas conversando com amigos que volta e meia se pegam passando o aperto dificultoso típico dos artistas, prossigo teimando na educação. E esta noite me deu um clique aliviante: se passei 18 anos instabilíssima entre o jornalismo e as assessorias, com todas obrigações de funcionário, mas sem direitos de um, é aceitável ficar estável na sala de aula pela primeira vez num longo e tenebroso inverno. Só acabei pegando me tornando a "Run Forest Run" sempre que ouço "vamos conversar". Às vezes nem é nada trash, mas pelos meus traumas, só quero começar tudo de novo, já que esse é meu vício profissional. Em meio às histórias me divirto com os pequenos e suas dúvidas. Poso meio ressabiada para foto, afinal quem sou eu pra essa badalação cômica? Às vezes enfio o pé na jaca e compro mais livros do que deveria. Descubro histórias afro iguaizinhas às da nossa tradição oral. A cultura popular bebeu ou foi parida da mesma fonte! E finalmente encontrei um coletivo para chamar de meu: temos decolado projetos que só eu e Deus não rolava. Dois livros que esperam há décadas para sair do computador ganharão o mundo. Ao menos as criações artísticas queremos mais é que vão pro abraço mesmo. Tenho viajado mais a descobrimento que a trabalho como em minhas temporadas de repórter e assessora. Após chegar ao estágio de buscar Tinder de ETs ou oficina para cura hetero, eu e minha "dupla", meu parça, o tal companheiro pros altos e baixos nos encontramos. Nos dispersamos às cegas um período significativo, mas agora estamos até realizando sonhos, nos escrevendo, ele me faz curtir ficar à toa em casa e eu o faço encarar mil programas "de quando em vez". Olhando à primeira vista somos diferentíssimos, mas depois de muita chateação e descoberta, conheço o que me parece relevante e nisso somos bem parecidos. Adotei uma gata, ponta firmíssima nessas jornadas de dois, três períodos trabalhando no laptop. Fiz as pazes com o irmão que adotei vida afora e já até nos revemos mais que no pré bate boca. Tenho consciência da limitação na quantidade de amigos, mas sou grata ao plus dos colegas "devezemquandários". Se há alguma providência divina, depois deu bater muito o fiofó na água, me encontrei numa série de espaços que batem com esse jeito idealista que já tentei mudar, mas acho que é defeito de fabricação. Essa é uma espécie de gratidão às avessas "energia criadora", mas se há como solicitar aperfeiçoamentos "universo gerador", preciso voltar a me exercitar, meditar mais, comer feito gente e cortar invasões bem intencionadas contra as quais já ensaiei diversas saídas. 2015 foi da colheita, do semear, ver brotar e cuidar contra chuvas e tempestades. É daqui pra arriba combinado Liga da Justiça? Com esse movimento "para o alto e avante", não posso chiar de ter entrado na faca pela nona vez. É sempre uma bênção para quem já teve déficit de sono aquela apagada estratégica da anestesia. Viver não é brincar de Pollyana? Ao menos tenho um porrilhão de histórias para contar.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Não é uma escolha, é quase um carma

Me identifico com uma tia que ficou trinta anos esperando pela aposentadoria para por a casa em ordem, mas quando essa merecida pausa chegou, ela continou na antiga contra lógica:
- Onde por isso aí que você está me perguntando? Jogue pelo meio da casa.
Ainda não relaxei tanto a ponto de me assumir caótica, mas ser bagunceira é uma saia justa na qual só se apertaram os que não tem ideia de como se encaixar no eixo como os outros mortais.
A gente sai de roupa do avesso e justifica "dizem que colocar sem planejar dá sorte".
Vive de roupa amassada e culpa o transporte: "naquela sardinha, quem se mantém na estica"? Mesmo que seja duas da tarde no domingo, saindo do metrô confraria linha verde.
Alguém te passa um e-mail importante, mas como você ainda está em "desmame do jornalismo", tem coleção de bloquinhos, quando poderia enviar o que o fulano precisa, como encontrar o bendito endereço eletrônico no momento em que pode passar a bendita mensagem?
Você anota na agenda, no celular e no agendão na mesa do escritório e ainda assim, às vezes não confere nenhum e confia no catzo da sua memória que tem dado pau há alguns aninhos.
Volta e meia cisma de usar roupas que podem estar na mãe, na amiga, no namorado, no irmão adotado... Só o Senhor saberia!
Por razões que só a astrologia explica, teima em ter uma bolsa e mochila: todas as ocasiões que precisar de um bilhete único, chave de casa, é preciso esvaziar tudo solicitando a proteção dos padroeiros de cabeças ocas.
Sempre há uma etiqueta dando bandeira que acabou de comprar aquela roupa e faz questão de sair com ela da loja e a velha na sacola, só podia pedir assistência e não sair por aí com o código da C&A "piscando em alto relevo".
O pé não ajuda, tudo machuca. Na era jurássica comprou uma meia que não fazia bolhas. Mas quando acha um pé o outro sumiu no mundo.
Quem vê pensa que a casa tem esse tamanho todo.
Aliás você pagaria um rim por um óculos com sinal sonoro, como os de encontrar carros no estacionamento.
Sempre "dá tchau" para a gata antes de sair e mesmo assim, outro dia a prendeu sem querer entre a janela e a rede.
Todos dizem que quando tiver filhos, os encontrará nos Achados e Perdidos.
Aliás, é uma campeã deles.
E por falar neles, o São Longuinho tem feito alcançar uma infinidade de graças.
Como a mochila esquecida com o "rim dentro" no Mc Donald´s da Vila Mariana.
Quando os frequentava.
Você é campeã olímpica de receber zap, e-mail, SMS e mensagem no Face começando com "você esqueceu aqui o/ a...".
Sua tia viciada em Renew e lipoaspiração acaba contigo "tem quase quarenta anos e não usa anti idade, nem faz banho de creme, arruma a unha ou fica com depilação em dia". Graças a ela descobriu que anti espinha também é anti idade. Volta e meia compra um para não passar por adolescente "com quase 40 anos", mas a menos que um monstro verde da Tasmânia emerja de sua pele, não lembra de usar. Já tentou anti olheira, mas ao descobrir que crianças branquinhas também tem, vive deixando o seu na prateleira.
Você também é PhD em usar calcinha da Bridget Jones quando sai com o homem da sua vida. A da vó, que não serve nem para o varal, quanto menos para passear com você por aí em dias possivelmente divertidos.
Pois bem, você só consegue se engraçar com homens generosos e que vejam nisso um charme displicente.
Ainda bem que dá aulas de artes e avalia "em processo", pois seria incapaz de receber e devolver uma prova, um execício que se pretende voltar à sala de aula, uma lição de casa. Tudo é proposto e criado em grupo no horário de aula. Se identifica profundamente com aluno com filho, mil bicos, vários turnos de trabalho e completamente sem tempo.
É preciso começar a tentar ver peças dos amigos no começo das temporadas, pois com os atrasos e confusões de endereço, só é possível conferir a última apresentação.
Aliás, em se tratando de rotinas escolares nunca foi capaz de dividir um caderno em várias matérias. Seus blocos de notas apenas anteontem passaram a ter marcas coloridas entre um curso livre e outra oficina.
Há vantagens? O jogo de cintura se torna imperativo: se não encontramos vermelho, vai verde, se não temos manjericão, vai orégano, se não chegamos à peça do primo, vai o cinema da esquina. Viramos os famosos "vamos? É pra já".
Suas patacoadas divertem familiares, vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Como levar o CD de tango para a consulta médica no lugar da mídia com fotos da córnea.
Uma rotina de comunicação ajuda o dia a dia ordinário depois de quase 20 anos de redações e assessorias de imprensa: faz lista de pauta para consultas, ligações estratégicas com quem gosta, terapias, a fim de não dispersar demais. Funciona bem.
Dá sempre bandeira da desorganização? As pastinhas do computador pessoal e do e-mail no trabalho poderiam atestar o contrário. Afinal, chegou a ser vexatório ser tocada do expediente enquanto ainda tentava encontrar um documento ou imagem imprescindível.
Às vezes temos vislumbre de como poderia ter tudo em dia.
Como se deliciar numa aula adulta tendo pesquisado em casa e aprender em dobro.
De repente faz até sentido ter pagado os pecados como setorista especializada em TI por tanto tempo: era inviável sair para uma entrevista sem pesquisar previamente.
Nem que fosse no táxi. Aliás para isso que serve o trânsito paulistano.
Agora, cá entre nós: você já teve o insight de que toda essa BURROcracia nos impede estrategicamente de mudar o mundo para melhor e nossa missão pode ser dar perdido nelas?