quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Cardápio natalino

Natal é quando confirmo meu talento jornalista barraqueira: qual será a revelação bombástica desta vez? Quem se pegará pelos cabelos? Qual o presente disputado até a morte no amigo secreto ladrão? Algum filho de primo descobrirá a farsa do tio caricato travestido em Papai Noel dos trópicos?
Nesta reunião do desperdício gastronômico suspendo minha irreversível atuação como mãe dos meus pais. Antes de conciliar vinho e remédio para hipertensão, fazemos sinal da cruz na taça do pai e seja o que Deus quiser! Faço vista grossa para o diabético mergulhando no manjar gourmet da tia que faria bonito no MasterChef. Também não implico com o sedentarismo “mulher é que é Amélia de verdade!” da mãe.
Todo ano prometemos não cozinhar o suficiente para receber metade dos refugiados da Síria, mas sempre sobra para que todos saiam de marmita a tiracolo. Sou a única que emagrece nas festas sem comer carne. A parentada também se reveza na criação de novas caretas para meus pratos naturebas.
Mas nem tudo é Comédia da Vida Privada na noite das músicas melancólicas de Simone. Devo contar umas histórias aos sobrinhos curiosos. Ajudar a irmã dele a fazer fotos no celular dum primo tomado generosamente pelo espírito de compartilhamento deste fim de ano. Faremos escambos de vestidos entre primas. Nos revezaremos na maquiagem coletiva. Pode ser que um novo talento musical se revele no especial do Roberto. E já que este ano teria resposta para as cobranças lugar comum de sempre, deveria levar plaquinha inspirada na Herbalife “casei! Pergunte-me quando”!
Uma tia meticulosa fará decorações artesanais que tomarão a semana de férias em trabalhos demoradíssimos. Outro tio com talento para pinguço criará nova versão de ponche tupiniquim. O sobrinho que lembra como o tempo passa rápido ensinará vexatoriamente, mais uma vez, alguma função escondida no celular mil e uma utilidades. Os pais – demos graças ao Senhor! – não enfiarão uma faca no pescoço para cobrar pelo concurso do qual fugi quase vinte anos. Servidora da educação com alto potencial para pânico ou voz minguante, pois não? Era o que tinha para tomar posse na virada de profissão da meia idade e se reclamar, tem mais troca de área antes da minha aposentadoria.
Quando todos estiverem suficientemente alcoolizados para apoios literários intra familiares, sacarei a nova publicação desta temporada e o velho mote de sempre “podia estar roubando, podia estar matando, mas só estou pedindo que compre meu novo livro”. O potencial de arrecadação para os jantares da excursão da virada é significativo.
Depois da meia noite todos agregados surgem com lembrancinhas, alguma pinga ou pernil, no revezamento “feliz Natal itinerante para todas famílias”. A tia com o melhor pacote de TV por assinatura deve pedir que a deixem ver uma série ou especial repaginado na HBO ou GNT. Um quarto de hora adiante deve emergir saudades dos avós ou de algum agregado com família contra mão demais para chegar a tempo de comer o resto do chester.
Não devo escapar do questionamento a respeito do aumento da família. Cáspita! Alguma perguntinha inconveniente devia ficar mesmo descoberta. Justificarei que a nova gata quer exclusividade de território em casa ou que três não são compatíveis com o ímpeto motoqueiro do casal. Devia dizer Virada no Jiraia que perdi o timing de usar meu lado lúdico domesticamente. Divirto aí o filho alheio. Mais econômico e menos cansativo.
Sentirei falta do violão do tio, cuja pressão baixa tem dado sono no precursor dos artistas familiares cada vez mais cedo. Os primos do teatro chegarão ainda com figurino de gnomo da última ação natalina em shopping. Os parentes do outro estado ligam mais ou menos quando a cerveja esquenta. Tios mais desgostosos de ter saído do amigo secreto ladrão com camisolas proverão o troca-troca das lembranças, enquanto as mães oferecem mais pudins.

É praticamente um roteiro de Porta dos Fundos, mas por aqui também nos esparramamos em colos saudosos, pedimos massagem nos pés e agarramos os pequenos dos primos mais ágeis na exploração dos nossos instintos paternais. De sete a oito meses de percalços trabalhísticos e amorosos devem ser postos em dia entre a primaiada. Uma madrinha ou pai me farão trocar os brincos ou mudar a fragância usada atrás da orelha com demonstrações súbitas de generosidade. Meia dúzia de amigos escreverá via Face ou enviará artes de boas festas pelo zap. Amigas das tias de longa data chegarão com cachorro, peru ou sorvete. Havia a opção de fazer test drive de Natal na sogra, mas em se tratando de festa familiar, melhor assegurar as risadas altas, exageros de sempre, discussões relâmpago e esquecimentos a jato aos quais nos habituamos há décadas. No script em que já temos papel cativo sempre abrem-se espaços para demonstrações efusivas de afetividade súbita. E nesta altura do campeonato, apesar das expectativas pelas últimas novidades, já não há revelações tão surpreendentes. Em se tratando de Natal, a acomodação ao amor quase italiano familiar é aceitável. Até incentivada.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Escrever é resistir

Finalmente consegui doar uma aula numa escola ocupada! Tudo bem que fui como apoio da aula de literatura e resistência, de colegas e lá na zona oeste - bem, perto de casa não tive muito retorno... Fomos num grupo de cinco professores, pois a ideia era auxiliar com a revisão. Tem um tempozinho que desconfiava que dar aula para adolescentes interessados devia ser outro esquema. Para os adultos a fim do EJA tem sido assim. E nada me tirava da cabeça que havia sim, adolescentes querendo o que tínhamos estudado e propúnhamos como oficina, debate, troca... 
Literatura foi e sempre será minha paixão inveterada: descambamos no jornalismo por gostar de escrever - quando prestamos o que fazer com uma ânsia dessa? Jornalouquismo. Algum tempo de estrada e cabeçadas mais tarde aquilo não faz sentido: estudamos apenas redação jornalística e já ensaiava meus livrozinhos e versos há décadas.
Pois foi nas oficinas do Museu Lasar Segall, Casa das Rosas, com as escritoras do projeto biográfico A História que Você Tem que Contar e no grupo livre de escrita na casa da ex chefe, atual amiga que fui burilando mais as crônicas, poesias, contos e até ensaiei diário de viagem. De lá vieram participações em crônicas e agora, edito meus livros solo que virão por publicação fomentada.
Bem, era estudo e experimentação demais pra uma tarde só. Hoje ajudei a revisar, dei dicas "para gostar de ler" e especialmente, troquei ideias com os estudantes ocupando a E.E. Ciridião Buarque, na Vila Ipojuca, em São Paulo. A riqueza da sala de aula são as pessoas mesmo e sempre serão. Um deles me contou que hoje era o primeiro dia que conseguia ir, pois os pais não queriam que participasse: "mas olha, à tarde as aulas são sempre bagunçadas, está tudo organizado, na aula de vocês ninguém interrompeu, atrapalhou, participaram com o que tinha a ver, impressões sobre a cobertura da imprensa distorcendo tudo, do que conhecemos sobre o que passaram para nós. Estou espantado"!
A outra que conversei, Giovana, vinha da Amorim Lima, uma escola municipal democrática em que tudo é definido em parceria com os interessados e no Estado foi um choque de ponta a ponta "o sinal era meu primeiro susto. Sabíamos que hora entrar e tínhamos interesse na municipal em que fiz o fundamental. Sempre passeávamos lá e em três anos aqui, nunca aconteceu uma excursão. Aquela lista enorme de chamada, somos só um número, ninguém nos ouve, conhece, quer saber o que nos move... Um projeto das praças aqui perto ficou anos tentando apresentar o que fazem e negociar parceria, mas nunca houve abertura da direção, só agora ficamos sabendo. Nem lista de chamada rolava na Amorim. Tudo aqui é meio fábrica, linha de produção, impessoal".
Outro estudante comentou que a escola tinha sim, sido paga por nós com nossos impostos. Uma participante contou que o que a mídia denomina reorganização eles chamam de desorganização. Uma aluna comentou que gosta da Ligia Fagundes Telles. Foi muita troca rica, vimos que estão tocando a cozinha e fazendo as assembleias com propriedade, como desconfiava para o movimento ter crescido tão rápido. Essa é uma formação para a vida e não só para preencher documentação pedagógica.
Moral da história: não é que eles não queiram nada com nada, somente nunca foram consultados sobre o que os interessa, Basta dar uma checada nas oficinas que estão agitando e conferindo em diversos colégios: mediativismo, feminismo. resistência pacífica, teatro da resistência...
Eu lembrei minha época de Fora Collor. Outro professor foi da geração Diretas Já. São esses meninos articulados, conscientes, contestadores que estão gestando essas escolas mais bem geridas por eles, adolescentes, que pela tucanalha. Quando eu voltar a ser adolescente, quero ocupar minha escola.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lapidando a Forrest Gump de saias

"Sou o pirata da perna de pau/ olho de acrílico"... Não cabe na música, mas o último quase um mês foi voltar ao velho tampão da infância de modo atualizado: grudar um acrílico no olho para não coçá-lo à noite - não por acaso tive um professor de física que nos aconselhava a não coçá-los até o orgasmo e olha que ele nem sabia que sou glaucomatosa. Nas últimas três semanas tive coceira da fita crepe, arranquei o tampão com o namorado acordando com o barulho e pedindo para recolocar e até acordei com ele na mão sem lembrar de tê-lo tirado. Mas diverti a Peteca jogando bolinhas de fita crepe pra que corresse atrás, amarradona. A única vantagem foi não ter colega de escola me chamando de pirata, eu brigando e ir parar no castigo. Perdi dois colírios, os alarmes não tocaram, descobri que esforço é muito mais que carregar peso, furei o repouso sem me ligar, depois também fiz de conta que não era comigo e... rezei. Tomei patada de gata. Estudei, desisti de curso com dor no coração, revi amigas mais preocupadas com minha rebeldia cirúrgica que eu mesma, perdi bolsas de oficinas, cansei mais revendo conteúdo que pondo a mão na massa. Tive um fiapo esperançoso pelo caminho. O olho deu uma sangradinha e a vermelhidão parte em suaves prestações. Adiantei as férias sem querer e alterno entre leitura, visitas, filmes e tédio. Atualmente me sinto feito o jogador Amaral do Palmeiras ou a Marta Suplicy pós botox visitando o CEU aqui perto, com um olho abrindo e o outro fechando. Começo o post nesse balanço para confirmar que uma vez jornalista, sempre jornalêra: nossa visão crítica  beira o insuportável. Como meu inferno astral está acabando, estou naquela inevitável fase de fazer balanços, sejam lá quais forem. Não temos nem um mês útil pela frente mais. Já estamos cruzando com decorações natalinas, ouvindo ou lendo "boas festas". Me parece o primeiro em muitos anos em que as coisas melhoraram horrores: finalmente meu trabalho me parece significativo. Fico enlouquecida com burrocracia, como também fiquei em comunicação, mas ensinando, contando história, formando, editando livro, propondo projeto em grupo, volta e meia algum retorno muito humanizado faz a ralação toda fazer algum sentido. Esse que fiquei quase décadas procurando. Às vezes encontrava em algum retiro, mas sair das bolhas de espiritualidade e voltar ao "sanguenozoio" da comunicação desmoronava qualquer construção de paz de espírito. No jornalismo também elogiaram texto, me chamaram de argumentadeira, fui um razoável iniciadora de estagiários e assistentes com os quais ainda tenho contato e se deram bem, obrigada, mas... Tudo era corporativo demais para alguém tão passional e lúdica como eu. Tenho toda licença de ser brincalhona de ponta a ponta nas creches. Para alegria do coletivo, sento e quase faço psicografia de projeto. Os alunos são uma graça, as chefes das chefes e os professores também. Por ser insuportavelmente idealista ainda me pego sonhando só com oficinas, livros, contações e projetos, mas conversando com amigos que volta e meia se pegam passando o aperto dificultoso típico dos artistas, prossigo teimando na educação. E esta noite me deu um clique aliviante: se passei 18 anos instabilíssima entre o jornalismo e as assessorias, com todas obrigações de funcionário, mas sem direitos de um, é aceitável ficar estável na sala de aula pela primeira vez num longo e tenebroso inverno. Só acabei pegando me tornando a "Run Forest Run" sempre que ouço "vamos conversar". Às vezes nem é nada trash, mas pelos meus traumas, só quero começar tudo de novo, já que esse é meu vício profissional. Em meio às histórias me divirto com os pequenos e suas dúvidas. Poso meio ressabiada para foto, afinal quem sou eu pra essa badalação cômica? Às vezes enfio o pé na jaca e compro mais livros do que deveria. Descubro histórias afro iguaizinhas às da nossa tradição oral. A cultura popular bebeu ou foi parida da mesma fonte! E finalmente encontrei um coletivo para chamar de meu: temos decolado projetos que só eu e Deus não rolava. Dois livros que esperam há décadas para sair do computador ganharão o mundo. Ao menos as criações artísticas queremos mais é que vão pro abraço mesmo. Tenho viajado mais a descobrimento que a trabalho como em minhas temporadas de repórter e assessora. Após chegar ao estágio de buscar Tinder de ETs ou oficina para cura hetero, eu e minha "dupla", meu parça, o tal companheiro pros altos e baixos nos encontramos. Nos dispersamos às cegas um período significativo, mas agora estamos até realizando sonhos, nos escrevendo, ele me faz curtir ficar à toa em casa e eu o faço encarar mil programas "de quando em vez". Olhando à primeira vista somos diferentíssimos, mas depois de muita chateação e descoberta, conheço o que me parece relevante e nisso somos bem parecidos. Adotei uma gata, ponta firmíssima nessas jornadas de dois, três períodos trabalhando no laptop. Fiz as pazes com o irmão que adotei vida afora e já até nos revemos mais que no pré bate boca. Tenho consciência da limitação na quantidade de amigos, mas sou grata ao plus dos colegas "devezemquandários". Se há alguma providência divina, depois deu bater muito o fiofó na água, me encontrei numa série de espaços que batem com esse jeito idealista que já tentei mudar, mas acho que é defeito de fabricação. Essa é uma espécie de gratidão às avessas "energia criadora", mas se há como solicitar aperfeiçoamentos "universo gerador", preciso voltar a me exercitar, meditar mais, comer feito gente e cortar invasões bem intencionadas contra as quais já ensaiei diversas saídas. 2015 foi da colheita, do semear, ver brotar e cuidar contra chuvas e tempestades. É daqui pra arriba combinado Liga da Justiça? Com esse movimento "para o alto e avante", não posso chiar de ter entrado na faca pela nona vez. É sempre uma bênção para quem já teve déficit de sono aquela apagada estratégica da anestesia. Viver não é brincar de Pollyana? Ao menos tenho um porrilhão de histórias para contar.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Não é uma escolha, é quase um carma

Me identifico com uma tia que ficou trinta anos esperando pela aposentadoria para por a casa em ordem, mas quando essa merecida pausa chegou, ela continou na antiga contra lógica:
- Onde por isso aí que você está me perguntando? Jogue pelo meio da casa.
Ainda não relaxei tanto a ponto de me assumir caótica, mas ser bagunceira é uma saia justa na qual só se apertaram os que não tem ideia de como se encaixar no eixo como os outros mortais.
A gente sai de roupa do avesso e justifica "dizem que colocar sem planejar dá sorte".
Vive de roupa amassada e culpa o transporte: "naquela sardinha, quem se mantém na estica"? Mesmo que seja duas da tarde no domingo, saindo do metrô confraria linha verde.
Alguém te passa um e-mail importante, mas como você ainda está em "desmame do jornalismo", tem coleção de bloquinhos, quando poderia enviar o que o fulano precisa, como encontrar o bendito endereço eletrônico no momento em que pode passar a bendita mensagem?
Você anota na agenda, no celular e no agendão na mesa do escritório e ainda assim, às vezes não confere nenhum e confia no catzo da sua memória que tem dado pau há alguns aninhos.
Volta e meia cisma de usar roupas que podem estar na mãe, na amiga, no namorado, no irmão adotado... Só o Senhor saberia!
Por razões que só a astrologia explica, teima em ter uma bolsa e mochila: todas as ocasiões que precisar de um bilhete único, chave de casa, é preciso esvaziar tudo solicitando a proteção dos padroeiros de cabeças ocas.
Sempre há uma etiqueta dando bandeira que acabou de comprar aquela roupa e faz questão de sair com ela da loja e a velha na sacola, só podia pedir assistência e não sair por aí com o código da C&A "piscando em alto relevo".
O pé não ajuda, tudo machuca. Na era jurássica comprou uma meia que não fazia bolhas. Mas quando acha um pé o outro sumiu no mundo.
Quem vê pensa que a casa tem esse tamanho todo.
Aliás você pagaria um rim por um óculos com sinal sonoro, como os de encontrar carros no estacionamento.
Sempre "dá tchau" para a gata antes de sair e mesmo assim, outro dia a prendeu sem querer entre a janela e a rede.
Todos dizem que quando tiver filhos, os encontrará nos Achados e Perdidos.
Aliás, é uma campeã deles.
E por falar neles, o São Longuinho tem feito alcançar uma infinidade de graças.
Como a mochila esquecida com o "rim dentro" no Mc Donald´s da Vila Mariana.
Quando os frequentava.
Você é campeã olímpica de receber zap, e-mail, SMS e mensagem no Face começando com "você esqueceu aqui o/ a...".
Sua tia viciada em Renew e lipoaspiração acaba contigo "tem quase quarenta anos e não usa anti idade, nem faz banho de creme, arruma a unha ou fica com depilação em dia". Graças a ela descobriu que anti espinha também é anti idade. Volta e meia compra um para não passar por adolescente "com quase 40 anos", mas a menos que um monstro verde da Tasmânia emerja de sua pele, não lembra de usar. Já tentou anti olheira, mas ao descobrir que crianças branquinhas também tem, vive deixando o seu na prateleira.
Você também é PhD em usar calcinha da Bridget Jones quando sai com o homem da sua vida. A da vó, que não serve nem para o varal, quanto menos para passear com você por aí em dias possivelmente divertidos.
Pois bem, você só consegue se engraçar com homens generosos e que vejam nisso um charme displicente.
Ainda bem que dá aulas de artes e avalia "em processo", pois seria incapaz de receber e devolver uma prova, um execício que se pretende voltar à sala de aula, uma lição de casa. Tudo é proposto e criado em grupo no horário de aula. Se identifica profundamente com aluno com filho, mil bicos, vários turnos de trabalho e completamente sem tempo.
É preciso começar a tentar ver peças dos amigos no começo das temporadas, pois com os atrasos e confusões de endereço, só é possível conferir a última apresentação.
Aliás, em se tratando de rotinas escolares nunca foi capaz de dividir um caderno em várias matérias. Seus blocos de notas apenas anteontem passaram a ter marcas coloridas entre um curso livre e outra oficina.
Há vantagens? O jogo de cintura se torna imperativo: se não encontramos vermelho, vai verde, se não temos manjericão, vai orégano, se não chegamos à peça do primo, vai o cinema da esquina. Viramos os famosos "vamos? É pra já".
Suas patacoadas divertem familiares, vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Como levar o CD de tango para a consulta médica no lugar da mídia com fotos da córnea.
Uma rotina de comunicação ajuda o dia a dia ordinário depois de quase 20 anos de redações e assessorias de imprensa: faz lista de pauta para consultas, ligações estratégicas com quem gosta, terapias, a fim de não dispersar demais. Funciona bem.
Dá sempre bandeira da desorganização? As pastinhas do computador pessoal e do e-mail no trabalho poderiam atestar o contrário. Afinal, chegou a ser vexatório ser tocada do expediente enquanto ainda tentava encontrar um documento ou imagem imprescindível.
Às vezes temos vislumbre de como poderia ter tudo em dia.
Como se deliciar numa aula adulta tendo pesquisado em casa e aprender em dobro.
De repente faz até sentido ter pagado os pecados como setorista especializada em TI por tanto tempo: era inviável sair para uma entrevista sem pesquisar previamente.
Nem que fosse no táxi. Aliás para isso que serve o trânsito paulistano.
Agora, cá entre nós: você já teve o insight de que toda essa BURROcracia nos impede estrategicamente de mudar o mundo para melhor e nossa missão pode ser dar perdido nelas?

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Entrando na faca

Hoje é dia de entrar na faca. Nada de planejar aula, fazer projeto, editar livros que sairão por leis de incentivo, estrategiar formação para professores infantis, caçar editais... Devia ter madrugado para tomar café a tempo de ficar oito horas em jejum, mas quando o celular tocou devo ter dito "faz me rir, despertador", desliguei e afundei no sono de novo. Não é digno levantar às cinco da madruga. Tenho trauma desse horário desde os plantões do finado jornalismo. Quando finalmente consegui me livrar dos lençois - caramba, parece que eles "tem cocaina"´! - já não poderia comer, pois estouraria o tempo pedido sem nada no estômago. Só que...O médico era novo, o hospital e até o convênio! Para despistar um ensaio de ansiedade fui... Propor contações de história pela Internet. A pessoa quer ser empreendedora até na licença médica! A amiga da comunidade que ajuda a arrumar a fuzarca da casa chegou! Louvado seja Buda, posso me esquecer no home office! Quebro a cabeça para lembrar que página vi no Face de madrugada para propor projeto... Faço algumas prospecções, mas começo a sentir fome e ensaio pegar leve para o estômago não me enlouquecer. Daqui a pouco aparece pai, mãe e tia para me levar à internação. Quem semi nova como eu chega para operar glaucoma congênito com a torcida do Flamengo como acompanhantes? Dou todos os perdidos possíveis na parte de mim que quer ficar nervosa: falamos do caminho, das aulas, dos livros, da família... Lá no hospital quero sugerir contar histórias para humanizar a saúde. Sinto falta do trabalho que fiz pela Viva e Deixe Viver no hospital Cruz Azul. Me apaixono pela foto ou desenho de uma São Paulo retrô que já não existe mais na recepção. A bateria do celular morre e corta minha hiperatividade. Quando chamam pra enfiar minhas coisas no armarinho e por aqueles avental, touca e meia impessoais da sala cirúrgica, bem essa é a hora D. Só subindo na maca me deixo ficar nervosa. Chegam os anestesistas e já aviso:
- Tenho veia bailairna, deve ser de família, pois o primo Ignácio Loyola Brandão também tem. Se puder, usem agulha de bebê - tem que ser toda polida pra não se aborrecerem de você, pobre mortal, dar palpite na área deles. Levam três picadas, elas dançam, só conseguem me furar certeiramente dentro do antebraço, que doi  mais que a mão ou atrás do cotovelo. Quando aparece o médico já piro: como ele pode vir tão animadinho assim pra me picotar? E se algo sai do planejado, como meu amigo oftalmo contou na residência que está fazendo? De onde raios ele arruma essa empolgação infantil? São escavações nada históricas, num olho de gente!
Ouço os anestesistas explicarem que farão a sedação tópica, só para ficar mais tranquila. Tudo entra em slow motion. Fico em estado de graça nesse estágio, parece barato, mas não de pinga, não consigo passar por isso à noite e tenho horror a ver ou ouvir a cirurgia, já que tenho trauma de lembrar de luz em cima de mim em mesa cirúrgica e gente de branco nas operadas beeeem baby. Capoto.
Volto com a corda toda, querendo fazer todas as perguntas do mundo, como se não tivesse deixado de ser jornalista. O médico me deixa falando sozinha e vai falar com a tia, a mais espertinha da família, acredita-se. As enfermeiras, sempre elas, humanas pra burro, trazem comida, proseiam. Gozado que há uma aviso para não usarmos adornos, mas acho que nossa necessidade de nos enfeitar é tão inata, que elas têm touquinhas coloridas, floradas, lúdicas. Reclamo deles se aborrescerem com perguntas, critico construtivamente a educação, até que alguém lembra que há três familiares ligeiramente ansiosos do lado de lá. A sensação do olho tapeado é como se despejassem areia antes de por gaze, mas já foi assim nas nas sete anteriores.
Volto pra casa implorando pela minha gata por perto, eles são tão terapêutcos e não pulam desgovernados em cima de nós, como os cachorros, mas a levam para minha tia, PhD em estragar felinos. Nos meus pais a ordem é repouso, ficar de barriga para o ar, mas negocio cachês e agenda deitada.  Penso que para que aquele medico novinho me corte bem, ele treinou nos sem opção do SUS e me compadeço. E essa veia fanfarrona, que os anestesistas pegavam e ela sambava! Os colegas mandam sair do celular, mas o médico doido pra cortar mais um já tinha falado que se ficasse online, só não enxergaria a contento, mas também não desestabilizaria nada.
Cuidar de um pepino congênito é se acostumar às rotinas mais assustadoras: ser picotadas de tempos em tempos, anestesista tentar falar contigo na hora do rooonc, amigos e familiares meio pé atrás com a melhora e você fazendo e acontecendo pra dar perdido no ensaio de nervoso. Contanto que não me lembre mais de ninguém falando do meu quadril na maca cirúrgica, de luzes grandes em cima de mim e homens assustadores de branco, colaboro. Ao contrário das grávidas que temem estourar a bolsa, tenho medozinho dessa bolha do olho também se partir qualquer dia desses, mas faço de conta que não é comigo. Fazem um buraco controlado no meu olho, explicou uma médica amiga da minha mãe. Mais ou menos né doutora? A pressão sempre foi contida para não subir muito, só que nos últimos tempos ela só despenca! O olho vira uma uva passa assim, tem que estabilizar na unha de novo... E depois essa senação de meia pria de Ipanema na córna. Os pontos, ah, os pontos. Talvez tirem mais uns, só que no laser a gente até fica mais "de boas". Nessas sempre me pergunto: como é que alguém entra na faca deliberadamten?

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

"Nem de humanas, nem de exatas, sou de faxinas"

Não sabia muito bem como era arrumar irmão "semi nova". Acostumei mal e porcamente a comemorar uns irmãos passageiros aqui e acolá, coisa de filha única meio inconformada, mas desses assim de puxar a orelha quando estamos viajando rumo ao precipício, de brigar pela gente (e bater boca nem é muito a praia do mano aê), sacudir para ver a parte boa, inventar "naturebices" juntos, ajudar com trampo que se troca aos 45 do segundo tempo, repetir comida, mimar gata, meditar, desbravar a zona lost, redescobrir o centro que para mim ainda era uma incógnita, roubar cama, pintar o azulejo do banheiro de tinta impermanente da minha temporada ruiva "no estado de espírito", avisar dos retiros imperdíveis, suavizar das chutadas de pau na barraca "dazamiga", dos alunos, "dos mino", se sacanear, rir de bobajada, indicar conteúdo relevante nesse mar infinito de informações que é a Internet... Sei não, a isso tudo estava completamente desacostumada. Daí a gente se vê nuns surtos de filhauniquice, justo eu, me orgulhava de ouvir que não parecia, de caçar informalmente (ou nem tanto) esses manos que a vida não dá e mesmo assim a gente descola... Quando desencanamos e eles caem no nosso colo, não reconhecemos a tal bênção que para pedir, "protocolamos a solicitação em três vias, reconhecemos firma e entramos na fila". É que esse amor de mano, ainda que inofensivo, atropela a gente dum jeito que mandamos anotar a placa do caminhão. Mas depois do estrago OM NAMA SHIVAYA que com estas bobajadas do cotidiano não há de se perder muita energia! Ele faz parte do meu top 3 signos dificultosos, mas geralmente é do que se corre que se cai em queda livre no colo. Já fizemos faxina, já torcemos pra Copa, já empatamos a paquera alheia, já multiplicamos os amigos, já dançamos bêbados, animamos pra ensinar, brochamos também, conferimos peça, tomamos chuva, voltamos à infância no cinema, "alugamos" parceiros antigos de faculdade, militamos... Ele manda pra casa quando a teimosa aqui está caindo em pé querendo prosear na Praça Roosevelt... Tem um porrilhão de coisas que ele já me ensinou, só não sei se listo em ordem alfabética ou cronológica... Rarará! Mas acho que a mais surpreendente foi amar virginianos pé no peito. Feliz aniversário quase literariamente mano!

sábado, 1 de agosto de 2015

Aceita moeda de fora?

Colegas de uma profissão ligeiramente ingrata passam na roleta de um microônibus na grande São Paulo e... Quero dizer, um deles passa. A outra conta moeda, caça trocado na bolsa, cansa a fila atrás dela, preocupa o amigo que já arrumou lugar do lado de lá, até que encontra uma solução no mínimo esdrúxula para o impasse do dinheiro perdido entre bolsa e carteira:
- O senhor podia aceitar estes vinte centavos de euro?
- De que?
- Euro!
- Que diabo é isso?
- Moeda europeia.
- Minha senhora, essa moeda só vem, não volta, aqui não é casa de câmbio!
- Vale três vezes a nossa, da última vez em que cotei. Era uma recordação de viagem, mas...
- Mas o que?
- O senhor leva um amuleto de viajão esperado inesquecível que trará imensa sorte em sua vida!
- E eu lá sou místico?
- Pode começar uma poupança para rodar o mundo...
- Sendo cobrador na periferia? Sei...
- Na Argentina aceitam real, peso e dólar.
- Deve ser por isso que não saem da crise. E isso lá pode?
- Ah, dizem que é ilegal, mas parece que esta norma, lei, sei lá... Também não pegou.
- Ah, as leis também não pegam com os hermanos? Sei...
- Esta moeda traz o frio de Paris.
- E o que mais passageira imaginativa?
- O metrô de sonhos de Londres.
- Conte-me sobre seus devaneios turísticos.
- Os chafariz de Madri.
- Está começando a melhorar a paisagem.
- Os museus de Barcelona.
- Devem ser caros.
- As construções históricas de Roma.
- Preferia que você me desse moeda brasileira mesmo e mostrasse as fotos, que já está de bom tom.
- Tenha um pouco mais de olhar empreendedor! Poderão atender passageiros de todo mundo ampliando aceitação monetária na catraca!
- Gringos quase não visitam o ABC e se visitam, os amigos e parentes andam de carro ou táxi. Nunca vi falarem outra língua nesses corredores.
- Talvez só esteja faltando esse passo de começar aceitar moeda de fora.
- Deus me livre, começarão a perguntar em inglês, espanhol e aí sim que terei que me fingir de dorminhoco, pois não saberei responder!
- Moça, a gente precisa passar - pedem passageiros acumulando atrás da negociante persistente.
O colega de trabalho cansa e volta à catraca:
- É isso que falta cobrador?
- Obrigado!
A catraca destrava e ela quer saber:
- Ué, como sabia que só faltava...
- É sua especialidade empacar nesses centavozinhos finais de passagem. Vem, vamos perder o ponto.
E assim se vai uma tentativa de por em circulação o amuleto de 20 cents de euro, "carreador" de tantas lembranças de mochilão... Quer dizer, de pochete, pois professor é mais modesto na saída ao exterior.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Carta presse Menino que Cruzou o Meu Caminho e Mudou a Direção

É, não foi agora.
(não tem problema, ainda pode-se sonhar um bocado)
Dizem as más línguas que foi-se o tempo. Essas, hábeis em atingir feridas quase extintas, cobram, cortam alegrias, questionam o que não se responde.
Nem é por elas na verdade.
Hoje tem pontadas familiares, mas com outro peso.
Neste meio de semana, experiencio aquela simbologia cíclica de acatar perdas, sem metáforas.
De emoções que não sabia, mas te assaltam mais à queima roupa que contas, incertezas ou receios.
De sensações latejantes na intensidade de que você deva ser o cara mesmo. Esse com ar de ficção.
De desaguares pulsantes sem lógica, na linha "continuo feliz a despeito de remar contra maré".
Bom, sou especializada nisso.
De confirmar que numa suspeita meio poética, meio para lá do nosso controle, nos prontificamos de bate pronto.
Queria condensar num poema, mas menino é sangrar demais pra página de menos.
Criei mudanças imaginárias, falei com meu imaginário, realoquei tempos e pessoas, insisti mentalmente em cada vírgula das minhas convicções militantes.
Nada aconteceu.
Ou sim, duas machucadas meio previsíveis, meio óbvias, meio mais do mesmo. Em momentos vulneráveis feito pele queimada de sol.
Tantos macaquinhos dando piruetas no sotão - mas sei de onde vêm.
Quis te dar o presente mais elaborado que imaginamos nesta toada da cisma vã. Tá, volto aos puxões de orelha providenciais. Inda não me curo aqui.
Lembro que contigo e a Peteca na cama encontro uma plenitude onde está tudo que queria.
Ou nada como uma noite de aulas de artes para reabastecer.
Inda não sei bem de que.
É de estraçalhar aprender que se tinha o que precisava e se preciso de menos ralados, que vá de encontro à quietude. Outros universos raramente fazem conexão com o meu, meio etéreo, pouco terra.
Parafraseando Legião "já passou, já passou, quem sabe um outro dia".
Nesta madruga "aconchegantemente" fria, ainda não sei o que lateja mais: esfacelar uma ilusão cômoda, as léguas de compreensão de quem gosto, mas vive insiste em ligações pouco lúdicas, ou esta dorzinha de que não, não é tão simples quanto a mente criou.
A Peteca se encanta com a caneta dançando e me reapaixono por ela.
Foi mágico descobrir que apesar das condições inadequadas de temperatura e pressão, de menino você não tem nada.
Claro que um mundo de realizaçõezinhas nos aguarda.
Algo em mim imaginava que me partindo, a experiência maior do amor nasceria.
É de chorar pelos cílios descobrir que parceiro para todas as horas está tão perto...a ponto de tocá-lo.
O ano é novo e as emoções se reeditam!

segunda-feira, 29 de junho de 2015

A Mulher que Rasgava Revistas nos Consultórios

A família a incentivou a ser "rata de banca" e ela devorava matérias de revistas. Era um perigo quando ia ao médico ou dentista, pois sempre enfrentava a lei de Murphy literária: quando encontrava publicações que não eram jurássicas, e chamavam tão rápido que mal lia os títulos. Daí não resistia: rasgava as matérias dos impressos, escondia nas bolsas e lia nos ônibus ou metrôs na volta. Não era possível acusá-la de ladra midiática assim, à queima roupa: era hábito dos familiares e é impressionante como a genética envia heranças pouco nobres. A tia também decepava revistas Claudia, Super Interessante e Galileu. Ultimamente se contentava com Seleções e Nationais Geographcs paleozóicas. Era uma aspirante a cientista, muito embora tenha modestamente varrido centros comunitários e passado em algumas linhas de produção. O hábito a tinha transformado numa "terapeuta da esquiva informal": quando percebia que parentes adentravam o limbo de assuntos polêmicos que renderiam brigas desnecessárias nas casas deles, fugia para um assunto que gostavam e terminavam o reencontro em paz. A sobrinha roubava matérias da Vida Simples, Viaje Mais, Rolling Stone, Cult, VIP, TPM, Piauí, Carta Capital, isso quando o abastecimento periódico dos consultórios ajudava. Se não houvesse escolha, substituía por Bons Fluidos, cadernos culturais de jornais amarelando, Isto É e em último caso, Nova ou Men´s Health. Quase escolhia médico assim: antes de marcar consulta, checava a linha editorial da sala de espera. Uma ex chefe preferia conferir no livro de credenciados os bairros nobres, preferencialmente um doutor com sobrenome judaico, assim garantia que ao menos estudados eles eram, já que se vangloriavam que "conhecimento ninguém tira dessa comunidade". Ela não. Ultimamente também verificava com a secretária se o médico desceria o cacete no Mais Médicos, caso contrário ia fazer manutenção ginecológica e por tabela sua gastrite era atacada. Andava em crise com os que classificava classe mérdia e se auto enquadrava como sub classe mérdia, muito embora os amigos a provocassem dizendo ser aspirante a esquerda caviar, com aquela mania de procurar médico holístico, quando o orçamento ajudava. Um dos primos ou tios juravam que era possível falar com ela de colostro a física quântica. Também lia os livros, mas esses demoravam mais a acabar, conforme a programação de sua circulação: se pegassse mais transporte público que carona no horário do rush, teria que se segurar mais e consequentemente conferir obras e folheá-las ficaria inviável nas idas e vindas modo lata de sardinha. O pai também foi maníaco midiático. Conta o folclore familiar que para "devolver à natureza" tinha que ler uma Globo Rural inteira, com perdão da simbologia escatológica. Eram em muitos irmãos, a casa só tinha um banheiro, nas manhãs de apuro para irem ao trabalho, brigavam pelos banhos e escovadas de dente nele (entre outras pautas reinvindicatórias), a ponto de quebrar cadeira um no outro. Aparentemente eram interessados e bem informados, embora de difícil convivência. A irmã mais nova era enlouquecida por Casa Claudia, Estilo e Casa & Jardim. Única abastada dos sete irmãos, tinha obsessão por construção, lipoaspiração e reforma, devia estar na quarta, se os familiares não perderam as contas. A que roubava matérias nos consultórios tinha começado com os gibis. Não a roubar, mas a ser nerd literária. Quando muito pequena, liam para ela, que saía recontando aos vizinhos, colegas e amigos, na fase anterior à suspensão precoce da infância das crianças para começarem na escola, então era natural estranharem:
- Mas vocês não alfabetizaram cedo demais?
- Ela não lê, decora e reconta.
Deve ter sido com uma ida conjunta em algum médico que a sobrinha começou a rasgar e roubar matérias dos consultórios. Eram ágeis. Bebiam uma água, iam ao banheiro ou aproveitavam cinco minutos de solidão na sala de espera para levar embora as páginas mais interessantes. Tossiam ou riam para abafar o barulho das páginas. Tinham um certo orgulho marginal de recontar essas peripécias, mas há um mês a mais nova rompeu a tradição familiar pedindo à terapeuta:
- Posso levar a matéria sobre Alexandre Nero?
Teve dúvidas entre o conteúdo dele e o que escreveram sobre o primo Ignácio Loyola Brandão. A "rádio família" logo circulou a adaptação da redistribuição forçada de informação recente. Desde então a tia larápia intelectual não fala mais com a sobrinha. Segue a vida...

sábado, 6 de junho de 2015

Perfume da Terra

Tive uma infância de cheiro inesquecível no norte do Paraná: cheiro de chuva, café e terra vermelha. Em São Paulo, minha mãe sempre mandava lavar o pé (agora me toquei, é lembrança de uma região em que casas, carros, cachorros brancos, todos viram marrons) e no ABC até tive algum quintal, mas mais caí que aproveitei, por conta de uma pegada desastrada sagitariana. Aqui em São João City, minha mãe sempre mandava entrar quando "estava ficando tarde" e os vizinhos solidários brincavam comigo no corredor. Devo pra minha criança interna subir em árvore, se lambuzar na lama e construir brinquedo. Em Santo André lembro de andar numa bicicletazinha do primo, antes dele mudar pra blasé Curitiba, de tomar banho de mangueira com a irmã dele e a tia divetida mãe dos dois, de ser enterrada na areia pelos primos em Guarulhos, brincar de bonequinhos guerreiros com eles, da minha
Esse primo claro que já está maior que eu
Barbie ser apaixonada pelos Falcons que os primos tinham e de outra tia desencanada me monitorar em viagem à praia por um pontinho ruivo que pulava láááá na água, enquanto ela preferia o sol e a areia. Liberdade mesmo, só nos tios! Graças aos primos e mais primos não posso cantar como
Cazuza "sou filho único e você tem que entender que somos seres infelizes". Mas lá onde a terra cheirava à chuva ou café, tinham outras primas e o que era mais mágico, um quintal com um esconderijo de um tio avô que devia ter toc e levava para lá qualquer tranqueira descartada por Deus e o mundo na rua. Lembro do banheiro de buraco no chão, das casas de madeira, da varanda com rede, da tubaína que meu avô comprava (não parecia tão doce quanto hoje), de parentes e mais parentes com aquela sabedoria ancestral que não tinha paciência de valorizar pequena demais. Mas havia uma subidona (ou descida, dependendo se era hora de partir ou de chegar) e árvores frutíferas neste quintalzão do avô (a filha dele infelizmente cortou tudo hoje, pena que não tem polícia florestal por lá). Vô tinha botas pesadas, cruzava a cidade de bicicleta, deixou escritas memórias dos tempos de pioneiro no norte do Paraná (atualmente ganhamos placas de rua com nome de antepassado),
paquerava no baile da saudade, subia em árvore com os pequenos já de cabelos brancos, puxava bloco de idoso no Carnaval e levantou gerações numa árvore genealógica em que chegou à conclusão "somos caboclo com caboclo". Não consta gringo e como meus pais são primos, parte dessa árvore se cruza fácil, foram gerações casando primos, eles viviam em fazenda, só visitavam parente, como raios conheceriam gente de fora dos Mendonça, Machado, Brandão ou Duarte? Meu colega prô de história diz que inveja meu pique (embora ele já tenha sido mais digno de neta do seu Renério, mas devo ter puxado parte do gás que sobrou dele). Ah, ele fazia bolinho de chuva, que agora estou com vontade de levar para os alunos (assado, pois sou teimosa natureba). Parte do talento jornalístico também vem dessa direção familiar, pois quando vô vinha para São Paulo, achava gente que tinha trabalhado ou estudado com ele há décadas, pelo 102 (parece que a Telesp tinha um serviço de auxílio à lista melhor que o da Telepar, mas hoje em dia quando tentamos o contato do Ministério Público ouvimos "assinante não autoriza divulgação". Incrível ainda ter teimoso com a cara de pau de defender privatização). Tinha mal estar de não lembrar a última vez em que conversei com seu Renério, pois quando ele ficou 3 meses internados antes de ir embora eu estava naquela fase de quase dormir na redação, com plantão e fim de faculdade. Mas minha mãe recordou que uma prima achou bonito eu cantar para ele no hospital. Tenho uma impressão que a contadora de histórias nasceu lá. Sei que fugi ao título leitor, mas a última vez em que voltei a Cambé, grudada à Londrina, não senti mais o cheiro de terra vermelha, café e chuva. Tô igual Drummond "Itabira é um quadro na parede/ mas como dói". Devia ser bonito plantar lá. Só desconfio que esse perfume da terra ficou na minha infância, não sei se por poluição, falta de água ou... Até os cheiros devem ser mais marcantes quando somos pequenos. Nem é aniversário de ninguém da família. Desconfio que este post nasceu por conta da... minha gata Peteca ser tão "criança feliz" quanto meus alunozinhos das creches. E de repente eu sentir falta da Luciana, Denise, Marcia, Michelle, Rodrigo, Carolina, Rogério, Ricardo, Tiago, Mariana, Raíra, Nathalia, Junior, Renerinho... Pra quem não está um estado abaixo... Um café antes do feriado acabar era providencial, não?

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Eternamente feito cães e gatos

Tá vendo como fezemos = vocês encantadinhas com um bofe?
O encontro do Bidu, um westie velhinho, que se tivesse menos instinto caçador era a cara do cachorro propaganda do iG e da  gatinha vira lata Peteca me sugere uma metáfora para o jogo de pique e pega dos homens e mulheres. A inocente "mãe" desses dois aqui imaginava que ele estranharia a felina. "Sabia de nada, inocente"! Quem se arrepia, estica a pata simulando uma brincadeira que depois vira um ensaio de briga e mia com intenção de se estranhar é ela, a filhote, que deve ter o que...? Uns três meses talvez? Ele, um senhor quase de respeito, só rosnou quando ela veio perto na hora dele comer a ração, mas daí também já era demais né? No primeiro dia vi mais ameaças de briga. Neste segundo, ele tenta fugir, igualzinho faz com criança espoleta e ela atrás, querendo "fazer amigos" imagino eu. Aparentemente tem se arrepiado menos, sinal talvez de que ensaie levantar uma bandeirinha da paz. Mas esse
A encardida e o senhorzinho "nem aí"
movimento dele se esquivar e ela pular em cima de algum móvel, esticar a pata, se aproximar, fazer graça... Não é tão mulherada querendo propor conexão com a ala masculina, eternamente "sabonetando"? Estou até me sentindo meio patética de me por no lugar e lembrar uns projetos de relação estilo "ignorada solenemente com sucesso". E ela insiste (meio que como nós querendo enviesar a interpretação dos sinais deles fugirem em desabalada carreira). Volta e meia os dois competem para ver quem miará ou latirá mais alto, talvez marcando território... Temi que ela desaprendesse ir à caixinha de pipicat, pois o Bidu é um gagá caduco que nunca foi castrado e por isso acha que as quinas do apartamento são postes, bancos e rodas de carro precisando ser batizadas. Não lembra vagamente os macho alpha querendo sinalizar quem pensa que manda "na bagaça toda"? Como diria uma ex room mate divertidíssima, é muito jogo de pique e pega. Ele foge, ela sobe em algo mais alto perto dele. Ele se entoca num cantinho quase que a salvo, ela dá um jeito de forçar amizade aproximando. Pensa bem, já pagamos mico similar, ao menos na "aborrescência" e se você não teve uma feito eu, foi uma adolescência retardatária. Estou quase ligando para os homens sabonetes do meu portfolio amoroso para me redimir de tanta cegueira e jogadas de verde nonsense. Deviámos ter uma gata e um cão antes de começarmos a paquerar desgovernadamente mercado amoroso por aí. É tão vexatório!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Estágios da Folia Experience à Punho num Feriado Fugindo da Muvuca e Caindo no Camarote Dela...

1- Você tem uma profunda compaixão dos colegas suburbanos que não dormem há milênios com os pancadões periféricos do fluxo e funk.

2- Reza pro padroeiro dos aventureiros que não se precaveram fazer com que a trilha te derrube na cama de exaustão.

3- Quer esfaquear a foliona que depois de mais de 10km na mata fechada ainda quer interagir com os fanfarrores interioranos pela cidade na volta.

4- Se pergunta como diabos esqueceu o imprescíndível óculos escuros no café da manhã do hotel.

5- Compreende o colega mochileiro que depois de muito camping europeu e refeições à base de latinha de atum não conseguia mais ver graça em museu nível Van Gogh pq corpo é realmente um troço que demanda muita manutenção.

6- Se pega ao pé duma cachoeira estonteante contando os minutos para voltar à cama a tempo do batidão de funk, agé e podreiras correlatas te despertar no auge do sono REM.

7- Desperta um amor infinito pelo sono perdido das mães, primas, tias, colegas, primas, amigas e vizinhas com os filhos ensurdecendo a madrugada delas.

8- Inicia um planejamento virginiano da próxima empreitada aventureira com a inclusão de "a caixa de som da festança tradicional local está na sacada do quarto barato que posso alugar?" entrando em destaque no check list.

9- Quer chorar quando perguntam pela sua falta de sono.

10- Pragueja todos os compositores e cantores de sucessos instantâneos da alta estação que duram até o Carnaval.

11- Quer assassinar quem pergunta pelas suas olheiras de quem não tem ideia do que é sono há... dois dias? O que seria mesmo noção de tempo e espaço?

12- Se veste na segunda ou terceira madruga insone para descer e fazer um barraco com gerente do hotel, autoridade local ou organizador da viagem.

13- É convencida pelo namorado que qualquer responsável local está bebendo ou pegando alguém, desiste e chora por um sonho, massagem relaxante ou qualquer coisa que o valha.

14- Teme quando percebe ter esquecido perigosamente em casa o concentrado natural 70% mais forte que a homeopatia que age contra a TPM, pois o movimento no baixo ventre não é nada animador.

15- Você acorda com algum refrão que impregna o córtex cerebral, tem uma ilusão de ótica da Anita dançando na mesinha do quarto e se enfia debaixo da cama.

16- Acredita que alguém que comete crimes sem dormir também devia ter direito a diminuição de pena, como parece ocorrrer com mulheres em TPM.

17 - Descobre que homens que dormem com caixa de som na janela sem roncar são ainda mais exasperadores que aqueles que roubam o ar da casa a cada ronco.

18- Vê a Claudinha Leitte convidando para acompanhar a música em seu banheiro e se esconde atrás do cobertor.

19 - Você começa a procurar o clima de lua de mel do começo da viagem atrás do guarda roupa.

20 - Curte mais a pedra na qual faz a pose "morry" à beira de uma cachoeira de 60 metros que a paisagem propriamente dita.

21- Se perdõa quando a parceira de picada na selva despenca na mesma pedra e vê a cachoeira pela câmera do celular, dando pistas de que deve estar dormindo, logo, talvez deva se relevar por estar exaurida.

22- Começa enfiando a cabeça na cachoeira e termia nem esticando o pé para dentro d'água.

23- Planeja contratar "alagoanos de olhos amarelos" para dar uma coça na foliã que chama para o bloco de rua chegando à terra natal depois de dias sem dormir e brincando de bandeirante na mata.

24- Sente-se muito herdeira da ranzinice da tia quando se pega questionando como foi parar numa excursão com o pique de formandos do fundamental I em plena fase "semi nova" da vida.

25- Você tenta entrar em contato com os deputados que elegeu e pedir projeto de pena de morte para
Alguém tem saco de dormir inflável?
quem compõe ou canta Lepo Lepo ou similares.

26- Quer militar na rua interiorana contra a machistice da dança funk ao ouvir vozes femininas pedindo que toquem aos gritos essa escória musical, quando se pega sem forças para ir até a janela.

27- Avalia seriamente não ter filhos: dois dias sem dormir já dão para descompensar qualquer budista.

28- Você "late" quando querem tirar fotinha da confratetnização dos viajantes na escadaria meio histórica da cidade, já que essa socialização de 10, 15 minutos significa um déficit comprometedor de sono no ônibus.

29- Lembra de na próxima viagem levantar qual o diabo do gosto musical do motorista.

30- Acha o bloco o movimento carnavalesco mais democrático do mundo, pois impede que descanse diferentes bairros em momentos e dias distintos do feriadão.

31- É incapaz de conversar sem rosnar após três dias de tortura chinesa corta sono com vibração de Ara Ketu no quarto. Chora pois na cidade não existe Psiu para reclamações de som enlouquecedor de madrugada

32- Quer abrir a janela e atirar qualquer cadeira, mesa ou mala que encontrar da cama até lá. Se perdõa quando lembra da amiga que queria assassinar passarinhos na janela da vila em que vivia quando a gravidez dela também a impedia de dormir minimamente.

33- Acha que o ermitão que morreu no meio da trilha até a cachoeira local do Miguel Careca se auto exilou da cidade por causa do gosto musical dela. Desconfia que ele bebeu até a morte quando começaram a funkar até o chão.

34- Reza por todos os torturados sem dormir da ditadura brasileira, latina e prisões tilo Guantánamo.

35- Não sabe se é mais desesperador no ônibus tomado pelo sertanejo corno inconformado ou no quarto ocupado pelo funk e axés "tira o pé do chão gente".

36- Sente que deve ter um carma pesado quando lembra que prometeu nunca se enfiar no maior feriado nacional entre foliões que topam qualquer música, bebida e boca e se vê sentada no hotel bebendo água com o namorado após perder a última nesga de sono, com impressão que se sair na calçada será carregada na próxima repetição de Alegria.

37- Quando o namorado desconfia que acabou às três da matina, você tira sarro pedindo auxílio místico "só se Deus existir".

38- Amaldiçoa seus ouvidos de tuberculosa quando ouve rescaldo da folia sabe Deus quantas ruas para lá do hotel.

39- Risca filhos dos seus sonhos futuros. Não tem design físico para anos ou meses insones.

40- Tem certeza que o namorado blefou na diferença de idade, pensa em checar o documento enquanto ele prossegue em sono REM após horas de show estuprando a orelha, mas não teme descobrir que será processada por pedofilia e esconde-se atrás do criado mudo.

41- Quer atirar o celular n'água quando confere a cara de insone das fotos em meio a paisagens idílicas.

42- Pensa se é verdade que existe o personal do sono que leu num texto similar duma mãe no Brasil Post, cujo filho luta ininterruptamente contra o cansaço físico. Não tem força de esticar o braço e pegar o celular para procurar.

43- Repetir como um mantra "são só uns diazinhos...e se fosse um filho para todo o sempre com choro e pique noturnos no auge do meu cansaço? Já passou, foi só um sono ruim".

44- Quando leva o dia picando mato, escorregando, sendo mordida antes de chegar à cachoeira e caindo, brinca com os colegas "estou achando que a natureza está merecendo o que estamos fazendo com ela".

45- Confessa ao namorado que não sabe quando conseguirá contar a história Árvore Generosa convincentemente outra vez.

46- Se acha até quase simpática, brincalhona e persistente quando não tem mais notícias de um casal da excursão que disparou em desabalada carreira já no segundo dia.

47- Não tem ideia do que doi mais, se a têmpora, a lombar, pernas, baixo ventre ou...o córtex crebral?!

48- No penúltimo dia, quando chega febril da chuva, trilha, barro, picadas, escorregões, tenta medir sua temperatura com o termômetro digital dentro da embalagem que o protege. Na sequência, tenta descobrir se está com febre com ele desligado.

49- Quando reencontra o microônibus depois dum dia brincando de Survivor quer ajoelhar e agradecer, mas não sabe exatamente para quem, pois está com as ligações religiosas seriamente abaladas.

51 - Voltando à "Sampolândia", acha que os vizinhos periféricos barulhentos do prédio ao lado são fichinha, pois consegue abafá-los com samba raiz do You Tube.