quarta-feira, 19 de março de 2014

O que a chuva me diz

Os trovões te anunciam e ao contrário dos meus vizinhos corro ao teu encontro. Me ressinto da avó me abençoando antes desse banho natural. Ao contrário daquela época, em pouco tempo embaixo de ti já tenho frio. Antigamente pulava nas poças, agora passo por elas sem tanto estardalhaço. Vejo os funcionários do conjunto correndo pras garagens, como faço quando o sol está esturricando. Quando cai é que evito as coberturas.
A tranquilidade com que enche cada espaçozinho nas calçadas e estacionamentos me reaviva um conselho velho de guerra do meu primo: "se fez o que tinha a seu alcance, deixa o barco fazer a curva do rio: se tiver que voltar retornará". E então deixo paixões meio esquizoides descerem com a correnteza. Tem um rio perto de casa, mas morto de indústria e esgoto. Na falta do mínimo essencial de natureza, é em tua queda que me refugio.
Devia cair sempre que estivesse em polvorosa com a ansiedade de minhas procuras profissionais. É no friozinho que sinto debaixo de ti que deixo escorrer essa sangria desatada, que como guia volta e meia me faz por os pés pelas mãos. Espero até que a lavagem seja também interna.
Peço encarecidamente que ponha as ideias em ordem: criação 1, 2, 3... Tanto a escrever, produzir, propor... E um gestação criativa se interpõe à outra, sem que no fim das contas consiga parir nenhuma.
Os vizinhos fecham as janelas. Gosto tanto de ti que quando vem, me esqueço que se não fizer o mesmo, lava meu chão, os lembretes, a luminária e a roupa que esperava que secasse.
O cheiro que sobe com tua passagem mistura asfalto e umidade. Acho que vou ao teu encontro esperando relembrar a mistura de aromas da terra vermelha, tua queda e café do norte do Paraná e por consequência, matar as saudades do meu avô. Só a memória provoca esse golpe de lembrança seletiva e sigo tentando apaziguar a falta que faz viajar para onde está o resto da família.
Os bichos onde moro se escondem bem quando desce. Não encontro um gatinho, pomba ou cachorro. Sinto falta de andar com o Bidu e lamento o sequestro dele para a casa dos meus pais. Meu bichinho mesmo se chacoalha todo quando voltamos destes passeios molhados. Não deve curtir tanto quanto eu.
Passo no parquinho que desconfio ser ISO 9001: os adultos não tem ideia como brincar nessas geringonças pós modernas. Devia ter feito outro percurso, podia curtir a balança antiguinha lá de baixo. Mas sabe Deus porque vim para estas bandas. Roteiro previamente alterado pro próximo banho gelado na rua.
O relógio me mostra que preciso voltar para o banho anterior ao compromisso de logo menos. Como quando pausamos para as atividades artísticas, os problemas continuam lá na retomada posterior deles, mas um respiro, por mais curto que seja, dá uma distanciada das dores e sob nova visão, elas voltam ao seu tamanho devido. Minha antiga vizinha tinha razão: banhos gelados são um anti depressivo e tanto, Naturais ou não. Valeu São Pedro!

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