sexta-feira, 17 de maio de 2013

Marcas do raio de dor

Não tenho medo de relâmpagos, só desse raio de dor que me assalta imprevisivelmente no meio da tarde, como se pudesse acolher aquelas pontadas que latejam em pleno expediente, como se fosse conveniente tentar segurar o sangue que escorre no auge do pico de trabalho. O estilhaço do que me partiu subitamente me rasga o resto do dia e vou recriando minha quase infinita capacidade de rir da minha desgraça, para conter na raça aquela água salgada que teima em escorrer. O raio de dor não faz barulho, te parte sem esperar e o restante do dia se dilata enquanto brinco de equilibrista chinesa para não derrubar os pratinhos de dores nem um pouco esperadas. O raio de dor me deixa em dúvida se vem do último imbrólio amoroso, do reconhecimento inesperado intra familiar, da reacomodação de sonhos trabalhistas velhos de guerra, do perder a hora em cursos longamente ansiados... Ele não diz a que vem, o que o provocou, só insiste em te partir em pedaços, que vamos tentando grudar novamente, fingir que as feridas não abriram, fazer de conta que cola refaz o que rachou de surpresa. O raio de dor te assalta sem mas nem talvez, deixa espaço para muito pouca coisa, nos traga numa avalanche de memórias, questionamentos, dores surpresa... O raio de dor não deixa cheiro, não acende nem apaga luzes, não tem gosto nem bom e nem ruim, não faz estardalhaço e a pele mesmo se questiona se de fato ele passou por aqui, mas o vácuo no estômago, o nó na garganta e a maré que se abre entre os cílios não deixam dúvidas. O mal estar se esparrama de uma tal forma, que lamenta não ser dia de terapia, se recusa a incomodar amigos, poupa os familiares, jura de pé junto que passará, que aquilo não é hora de furdunço emocional, se recusa a dar espaço para que te vire do avesso. Não quero fazer ligações, atendê-las, responder ou criar e-mails, visitar amigos ou parentes, o movimento é, como diria um professora de yoga, o de tenda da lua, entrar no casulo, se fechar onde nascem as ostras, não deixar rastro. E a literatura, sempre ela, a insistir na literapia, nos curativos emergenciais, na troca de impressões urgentes, no melhorar a própria dor a fim de reapresentá-la mais bela e digerível, para nós mesmos, os leitores e os ouvintes. O raio de dor nos põe de ponta cabeça de uma tal forma que só é possível processá-lo e abortá-lo dias depois, com uma certa distância que serve de precaução, como quem começa a olhar o mal estar prévio na vitrine, pendurados no biombo, esquecidos fora de casa propositalmente. O raio de dor não fez mais estragos do que forçar uma limpeza emergencial nos olhos, mas se fez sentir como quem recebe um tsunami, só que era só mais uma reacomodação do que fugiu ao previsto e precisou ser realocado nas prateleiras que tentam por alguma ordem à teia de caixas de Pandora na qual me equilibro e escorrego com um razoável revezamento. O raio de dor ainda me deixa em dúvida, mas foi moer em pedaços a estrutura de outra freguesia. Nem eu mesma sei ainda o que é que ele veio ensinar. Talvez só mudar curativos de lugar e por questionamentos sob outra ótica. Mas ele não precisava definitivamente deixar tanto pó e cacos pelo caminho.

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