quinta-feira, 19 de junho de 2014

Biblioterapia

A gente se sente meio fora desse mundo e corre para as prateleiras, fica lá acolhida, conhecendo outros escritores e dando uma de "Lucas Silva e Silva", como diz minha colega de trabalho. No caso de dúvida, leio. Em caso de desentendimento não esperado, também. Eles sempre me entenderam e me carregaram no colo, os livros. Ali, nem incomoda muito esta disforia de não pertencer ao mundo, ao trabalho, aos amores ou à família. Até a alergia ao pó deles se releva. Os antigos arquivamentos, iguaizinhos à minha época de rata de biblioteca, em que, como o primo Ignácio de Loyola Brandão, só não lemos as enciclopédias, ele em Araraquara, eu em São João Clímaco e Vila Mariana. Precisando rir, Luis Fernando Veríssimo. Chorar, o pai dele. Voltar à infância Ligia Bojunga. Me surpreender, Miriam Leitão para crianças. Reiventar, Manoel de Barros. Nem os arquivamentos novos causam estranhamento. Deixa a literatura carregar no colo, que desde a infância ela sempre foi irmã, namorado, irmão, bicho de estimação e o que mais precisasse.
Descobri qual a razão dos meus pais e madrinha reclamarem que quando me entretinha numa obra (e mais adulta, com revistas), não tinha Cristo que entrasse naquele universo ou me resgatasse dele. Atendendo outro nerd litérário como eu:
- Você vai devolver ou emprestar esses?
Tu tu tu...
- Quer levar o gibi também?
Silêncio constrangedor do lado de lá do balcão.
- Vai pra aula ou sua mãe vem te pegar?
Vácuo.
O mundo das letras é sempre muito mais acolhedor que o do lado de cá. É possível entrar na fantasia do autor. Ou criar a nossa, como quando desenhava e inventava minhas histórias. Meu amigo capitalizava melhor e até as revendia. Eu sentava em cima das antigas e mirabolava novas. Estes dias quis encontrar uma feita sob medida pro meu primo, antigo baterista, mas desconfio que meus pais não guardaram tudo entre as duas ou três mudanças dos últimos anos.
O ex brinca que sou igual um galozinho de desenho animado, que tinha grandes óculos e também vivia atrás dos livros. Não lembro desse personagem, pode não ser da minha época, sabe-se lá. Mas pagava para não largar os livros. E por isso vivia em greve de fome, não queria deixar de ler para comer. Sempre achei que os médicos estavam certos, que se tivesse comida em casa, não precisavam insistir, uma hora comeríamos, mais cedo ou mais tarde procuraríamos alguma coisa. Que ilusão! Minha amiga, cuja mãe deve ter acreditado nestes médicos otimistas, deve ter desistido de insistir, mas recentemente num exame para se exercitar, esta amiga estava subnutrida. Aliás a maioria dos grevistas de fome da infância da geração de 30 e pouco virou vegetariano adulto, mas isso é assunto para outro post.
O bacana é que este ambiente está me reativando o sonho de ser escritora. Sei que já publiquei algumas páginas em coletâneas aqui e ali. Mas como filha única típica queria "um livro para chamar de meu". E vamos, que o barco não para. Nem em feriado!

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