quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Expulsa do Quase Paraíso
Na época em que aumentava virtualmente a família indígena Kaiowá, uma plaquinha artesanal barrava o retorno dela para casa com um "não passe" disfarçado em "inoperante" no ponto de ônibus. Justamente quando tantos reafirmavam online suas raízes guaranis, que nada mais eram que um apoio à legítima reivindicação deles pela terra, a casa onde mora deixa de ser dela. Um toque de recolher amplia o alcance do chefe do tráfico local ou da prepotência policial? De qualquer forma, como uma Guarani Kaiowá de pele clara, também é despejada para a beira da estrada, desta vez da Tancredo Neves e ali, como os índios impedidos de plantar nos acostamentos, não pode armar tenda. Seu pai colocou meia vida de trabalho na casa que chama de sua, mas já não sabe se ela é da PM, dos ladrões ou se serve de abrigo a motoristas que temem ônibus incendiados. Pode voltar para casa de uma amiga, mas a roupa dela em seu corpo atesta que só "saímos de casa quando ela já saiu de nós". Ensaia um cochilo num banco de terminal urbano, mas comprova precisar de condições ideais de temperatura e pressão, embora se sinta uma intrusa em seu próprio bairro: não dormiria naquela firmeza metálica pouco convidativa. Lamenta o amigo de categoria ambígua fora do país, pois agora teria uma justificativa e tanto para pedir guarida na "pombalândia" em que mora (o conjunto em que mora diminuiu sua grandeza perto de onde ele vive). O cansaço para encarar baldeações e combinações telefônicas com outras amigas leva à saída mais previsível: voltar ao metrô, mudar depois para o trem, mudar de cidade e pegar outro ônibus, desviando da maior favela de São Paulo. Aumentou a via-crúcis para casa, mas ao menos no município vizinho, a circulação não tinha sido suspensa. Finalmente encontrou uma vantagem de morar na divisa. Virou a revista do avesso para se irritar menos de precisar pegar "uma jangada, um cipó e uma balsa". Não se abalou quando um passageiro reconheceu na publicação que lia um personagem de "trash movie". E comendo letrinhas ávida, mal percebe os altos e baixos da calçada que nunca viu uma guerra, mas também nunca perdeu seus buracos. Chega mais tarde, cansada e fazendo torcida organizada para os traficantes, policiais, incendiadores de ônibus e motoristas suspenderem batalhas no dia seguinte.
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