A foto saiu da bandeja e se revelou inteira, como quem se
despe para o homem que ama. O professor se orgulhava da aluna ter aprendido
tanto em tão pouco tempo:
- Quando a gente foca um ponto e deixa o resto desfocado
está começando a pegar um caminho de escolher o próprio estilo. – incentivava ele.
- Sou apaixonada por preto e branco. – se animava a aluna.
- Dá para desenhar mais fotos de alguns perfis.
- Tem outro tom que é lindo...
Ela vai passando outra folha fotográfica na bandeja e a
demora do produto químico reagir cria uma expectativa. Naquele breu, pouco se
vêem, são os olhos que conversam entrelinhas.
Durante a fixação e revelação, ela leva um susto:
- Putz! Mergulhei o relógio da 25 de Março nos químicos...
Será que sobrevive?
- Tem uns Ching Ling que são até resistentes. – torce o
professor, pendurando imagens que imobilizam o olhar no varal das melhores
criações.
- Esse tom dá para explorar muita coisa bacana! – quando ela
tira a imagem da última bandeja, ela faz voltar no tempo.
- Sépia é um convite ao passado! – se anima ele.
Ela mesma pendura sua foto produzida no varal dos alunos.
- Você diz que a fotografia é a morte...- não entende ela.
- Ela fixa o que nunca mais conseguimos retomar. – explica ele.
- A graça é essa. – ela acredita.
O laboratório tinha tamanho suficiente para criar um clima
meio claustrofóbico. Não em quem de repente se vê com outros olhos. Quando a
blusa dela escorregou pelo ombro e ele foi surpreendido por umas sardas meio
escondidas, pararam de esmiuçar a paixão que tinham em comum. E naquele breu
convidativo, deixaram que os olhos criassem outras químicas além das que
estavam nas bandejas, com cheiro mais convidativo. Ele suou frio, o que fez o
óculos dele escorregar e pela primeira vez ela viu que embora o professor tivesse
olhos puxados de índio, eram claros. As pupilas se conversavam e as palavras
foram supérfluas. O relógio dela roçou a parte interna do braço dele, que teve
coragem de permitir que a conversa invadisse aquele momento:
- Ele continua funcionando!
- A hora da aula estourou
As costas dela quase que se encaixaram na única bancada de
máquinas, que naquele momento estavam emprestadas e foi natural se tornar
convidativa. Ela roçou a perna que escapava da mini saia nos pelos dele que
fugiam da bermuda. Seu toque baixou o resto de blusa que ainda teimava em
esconder o resto das sardas e foi encontrando o caminho que a deixava meio sem
ar. As mãos dela se esconderam entre a as costas e a blusa dele. Descobriram um
encaixe em que quase acendiam o laboratório, ainda na penumbra. Parte da roupa
que os separava foi atirada quase longe, que o espaço não era para tanto. Se
amaram com uma ânsia que precisava ser sorvida em grandes goles, duma sede
adiada há tempo demais. Quando a mão dele se esticou, alcançou a única máquina
ainda não retirada do laboratório da faculdade e ela ousou acender a luz.
Seus cliques a buscaram como quem tateia o outro com a
lente. Ela se abria como quem acorda e se espreguiça com todo o tempo do mundo.
O amor é um jogo de pique e pega. Ela ensaiava uma timidez que ele não
conhecia, mas acabava encontrando um espaço para registrar a risada que quebra
a sem gracice. Ele não conhecia os caminhos que levavam à essência que o
obturador quer registrar, mas as sardas eram uma pista que ele se encantava em
explorar.
A máquina que uniu este vai e vem era digital. A maioria que
fazia o curso lá gostava de brincar com as possibilidades esquecidas das
câmeras tradicionais. Conseguiram ver as fotos na urgência de uma paixão que se
recusa a esperar. Ela riu:
- Uma prima diz que queria ficar com um fotógrafo só para
ele fazer poesia para sempre com a lente.
- Se ela viesse aqui no mesmo horário e montássemos
praticamente o mesmo cenário, mesmo que ela se parecesse com você, as imagens
nunca sairiam nem de perto parecidas.
Ele arrumou o óculos.
- Entendeu “garotinha ruiva” porque a fotografia é a morte?
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