A única
coisa da qual não deveríamos morrer de excesso é o amor. Naquele dia, o
osso do coração pedia para ser massageado. Há três anos não tinha coragem de
por a mão no osso do peito, o esterno. E dessa vez, como classificou o namorado
massoterapeuta da amiga yogue, botou energia além da conta: foi yang demais.
Fez círculos com as pontas dos dedos, com a mão fechada massageou com os dois lados, repetiu as doses, foi para além do ponto em que cortam para cirurgia
cardíaca. Quando fizeram nela no retiro de palhaço, bem no começo da faculdade,
as lágrimas escorriam e batia o pé no chão de terra para suportar a dor. Agora,
demorou um pouco para tocar um mal estar velho de guerra: o tranco que recebeu
nas quedas da época do dente de leite. Cismou que vinha daí o grosso da
carência nas relações, por sempre estranhar o acolhimento alheio dos tombos
próximos. As lágrimas vieram. Mas desta vez, mais objetivas sabe? Foi para o
banheiro. Viu o que a terapeuta disse há pouco tempo: era linda – mesmo com o
que classificavam de beleza exótica. E achou que o colega do tantra tinha
razão: o que tinha de mais especial nela, era o que chorava. E acordou tão
flexível que topou ir à missa com a mãe, apesar de sentir-se budista há mais
de sete anos.
Chegaram atrasadas e começou como criança a
querer lixar a unha, sambar com os dedos na cadeira da frente, balançar o
corpo. E como adolescente, quis questionar cada vírgula do roteiro que se
projetava no telão, se irritou com demorar a voltar e quase nada mudar. Mas a adolescência é o prolongamento da infância e dá um descômodo para quem está nela. Lembrou da irmã: a gente tem que
ter compaixão para as feridas dessa época que precisam de cura agora e lembrar o quanto não foi fácil na "aborrescência". Usou uma
técnica quase meditativa: se apegou à recitação e não à necessidade cabeçóide
que tem de esquadrinhar racionalmente tudo que seus olhos e ouvidos captam. É tão maleável em religiosidade nova... Não dá para ser na "velha de guerra"? E de repente
viu para além da irritação de quase nada mudar desde que fez crisma, primeira
comunhão, na era jurássica: era um ritual. Como quando ia ao seu centro e os
mantras eram mais antigos que Cristo, mas a ideia era reconectar com os mestres
ancestrais. Escrevendo, no dia seguinte, achou que a intenção podia ser tocar o
coração – onde para os budistas mora a mente – e não mexer com o racional dela.
Olhou a
igreja cheia de gente e viu que estava errada quando achava que eles não
podiam ter o discurso paleozóico que agravada à terceira idade: tinha que atrair
os jovens, pois os mais velhos iriam embora antes se a vida não mudasse a ordem
clichê que se esperava dela. Se apegar à tradição funcionava por ali: a casa
estava bem mais cheia do que já viu nos centros que frequentou – lembrou que
eles eram menores, mas os templos, ainda mais detalhistas e suntuosos. Riu
lembrando que a amiga carioca que conheceu no centro classificava o budismo de hobby de rico: menores e mais polpudas doações deviam dar conta dos templos
super trabalhados. Já foi em centro com valores pré determinados para os
ensinamentos. E o que ia agora tinha a liberdade de fazer a contribuição
voluntária que pudesse. E a igreja continuava passando a cestinha de
sempre. Devia dar certo, pois ela era familiar, continuava como quando foi meia
dúzia de vezes, pois ainda era bem conservada. Achou digno o padre prestar conta das
entradas e saídas da casa.
Quando
falaram no papa, torceu o nariz, achava que era fascista, nazista. Ouviu sobre
os jovens que vinham de fora e pensou se vinham estudar ou o que? Quis
encontrar os colegas de bairro e lembrou das críticas dos que só iam à missa
socializar. Como sempre, achou que as crianças compunham o mais divertido - tamanha a espontaneidade. Se interessou muito mais pelo sangue que pelo corpo
de Cristo – afinal era uma devota de Baco nas empreitadas culinárias. Mas só
socializaram o pão mesmo. Quando falaram em batizado teve que reclamar com a
mãe que ela não estava no seu. Justificou que tinha que ser carregada. Não
concordou com a passagem bíblica que falava em “não reclamar do salário” e
lembrou dos amigos sociólogos que estudam o quanto a religião é eficiente para
que as pessoas se mantenham em seus cabrestos. Mas lembrou de ter escutado quem entende que uma primeira tradução já perde 30% de seu conteúdo inicial. Ali devia ter pelo
menos 60% de “desvirtuamento da mensagem original”.
O trecho
“queimará a palha com fogo que nunca se apagará” chamou a atenção, mas não entendeu, teve que pedir explicação depois. Fez
quase uma meditação: aproveitou as músicas para treinar ritmo com as palmas. Cismou
que estava meio debochada no momento do louvor e fez como na yoga: relaxou para ficar confortável. Falou
sozinha com o que entendeu e o que não compreendeu do que era dito, cantado.
Mas lá pelas tantas, como diria o Osho “fizeram com que deixasse a mente esperando na
árvore”. E aquela parte do corpo que parece ser só mística, acreditou de novo.
Depois de mais de um mês e meio se sentindo “à deriva”, "sem ninguém por nós", "numa vida que era um engodo com alguns momentos de idílio".. Falou com o que havia de divino no universo, nela,
disse o que queria, o que precisava. E no final “pegou o padre para Cristo”:
tirou dúvidas, brincou, soube das novidades, fez sugestões. Foi acolhida como
se fosse uma antiga frequentadora, foi bastante estratégico da parte dele. Para ele, não reclamar do salário tinha a ver
com as pessoas que fazem baixo rendimento render, ao contrário de algumas que
tiram salários melhores e nunca é suficiente. Lembrou da colega com salário mínimo, carro, barraco, filho... Ok, o pai dele paga praticamente tudo. O padre contou como enxugou as contas da igreja e ela pediu para ele dar oficinas desse milagre. Mas depois, investi gando, ele só podia ser virginiano: a mãe dela também faz aquele milagre da multiplicação com qualquer coisa que entre em caixa.
Voltou com a mãe pela frente da maior favela de São Paulo,
comemorou um pouco a vitória do Timão, mas os ouvidos cansaram e a imagem da manhã
é a de um menininho com camisetinha do Corinthians tampando os ouvidos por
causa dos fogos. Pena que a câmera não funcionou! Se divertem em tudo que é lojinha, mural, burburinho popular.
Faz a raríssima e curadora sesta matutina. Mata a saudade de parentes queridos,
namora com o tablet do primo e olha enviesado para o presente de loja com mão
de obra análoga à escravidão – mas fazer o que, cavalo dado não se olha os
dentes. Volta mergulhando numa dorzinha de quem desconfia não aguentar mais
sonhos desandarem, queria abrir a porta do carro e voar para cessar aquela ladainha estúpida de sempre, dorme lavando o rosto, se perguntando "quem é acha que dá para aguentar mais expectativa indo para o ralo? Estou de novo ligando para o congestionado telemarketing do céu, ficando na espera e vai cair a ligação?" Mas acorda talvez com uma resposta divina:
“você não sabe do que Deus está te livrando”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário