De repente olho para a produção do curso de cerâmica (que
apesar de todas as faltas atrás de trabalho, não foram poucas peças para um mês
e meio) e sorrio, mas ao mesmo tempo quero chorar. Por lembrar da tia e sua
impossibilidade de entendimento:
- Pra que fazer isso?
Na hora esqueci a palavra final destas discussões, que é a
definição de Ferreira Gullar “a arte existe, pois a vida não basta”.
É que assim, de frente para minhas máscaras, mandala,
potinho de missoshiro, copo de saquê, miniatura de busto, de pé, calicezinho
com pingo, microvasinho com flor minúscula, potenciais brincos e pingente,
arremedo de estrela, “vasos pós dramáticos” e “manjedourazinha” improvisando a
árvore Bodi para seu Buda, lembrei daquela passagem bíblica estudada na escola
evangélica em que paguei meus pecados “e no 7º dia Ele contemplou sua obra e
descansou”. Lembrei do professor que dizia “os suicidas afrontam Deus: já que
não me perguntou se queria vir, agora também eu é que decido quando vou embora”
– e olhe que dizia não fazer nenhuma defesa em favor de se matar. Na verdade, agora acredito que criando é que temos a
petulância de nos igualar a Deus. E a partir do barro então... Não foi dele que
viemos? Retomar o contato com as origens, quase que fazer as pazes com o
divino, nos reconectar com a mãe terra, ver surgir o que você imaginou, deixou
a mão te guiar, o que tinha a cara de uma amiga, o que remetia à grande paixão
de sua vida, planejar uma coisa e ver se formar outra, imaginar presente para
os pais e amigos feito com as próprias mãos... Aprender com a mestra anciã como no livro A Ciranda das
Mulheres Sábias, de Clarice Pínkola Estes, que me iniciou no barro, que a mão é
inteligente, que se não me centralizar a peça do torno não o fará, que o erro na
cerâmica pode ser uma matéria prima de acerto, como nos trabalhos de clown, que
se não fizer as lições de casa de desenhar, levar folhas e objetos que possam
ajudar a modelar o barro, as tão sonhadas ideias virão aos 45 do segundo tempo,
se desenhava criança, mas depois de conhecer a régua e o esquadro abandonei os
lápis traumatizada, que a intenção inicial de dar as peças se transforma num
apego após vê-las esmaltadas, prontinhas, que era muito mais vaidosa do que
pensava, pois não queria “melecar a unha”, que aula teórica de esmalte, queima
etc dá um sono sobre-humano, que peça pequena detalhista é – como diria o amigo
– trabalho “de presidiário”, que gosteu mais de pintar do que de modelar
propriamente dito e amassar o barro dava dores nas mãos como quando começou a
estudar e fazer massagem...
Nem precisava aprender nada. Só de olhar algumas peças em
estado de osso, de couro, de biscoito e a cerâmica, já era a suprema
realização. Todas elas bonitas à sua maneira, minhas filhas, paridas dos meus
dedos, feitas de olhos fechados, abertos, concentrada, desconcentrada,
apaixonada, “cabrera”, ansiosa, confiante, emputecida, engraçada, dramática...
Pulsando a vida por todos os poros, sorvendo cada gole até a última gota.
É que fazer o que gosto é minha pinga.
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