segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

E do barro fez-se a arte

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De repente olho para a produção do curso de cerâmica (que apesar de todas as faltas atrás de trabalho, não foram poucas peças para um mês e meio) e sorrio, mas ao mesmo tempo quero chorar. Por lembrar da tia e sua impossibilidade de entendimento:
- Pra que fazer isso?
Na hora esqueci a palavra final destas discussões, que é a definição de Ferreira Gullar “a arte existe, pois a vida não basta”. 
É que assim, de frente para minhas máscaras, mandala, potinho de missoshiro, copo de saquê, miniatura de busto, de pé, calicezinho com pingo, microvasinho com flor minúscula, potenciais brincos e pingente, arremedo de estrela, “vasos pós dramáticos” e “manjedourazinha” improvisando a árvore Bodi para seu Buda, lembrei daquela passagem bíblica estudada na escola evangélica em que paguei meus pecados “e no 7º dia Ele contemplou sua obra e descansou”. Lembrei do professor que dizia “os suicidas afrontam Deus: já que não me perguntou se queria vir, agora também eu é que decido quando vou embora” – e olhe que dizia não fazer nenhuma defesa em favor de se matar. Na verdade, agora acredito que criando é que temos a petulância de nos igualar a Deus. E a partir do barro então... Não foi dele que viemos? Retomar o contato com as origens, quase que fazer as pazes com o divino, nos reconectar com a mãe terra, ver surgir o que você imaginou, deixou a mão te guiar, o que tinha a cara de uma amiga, o que remetia à grande paixão de sua vida, planejar uma coisa e ver se formar outra, imaginar presente para os pais e amigos feito com as próprias mãos... Aprender com a mestra anciã  como no livro A Ciranda das Mulheres Sábias, de Clarice Pínkola Estes, que me iniciou no barro, que a mão é inteligente, que se não me centralizar a peça do torno não o fará, que o erro na cerâmica pode ser uma matéria prima de acerto, como nos trabalhos de clown, que se não fizer as lições de casa de desenhar, levar folhas e objetos que possam ajudar a modelar o barro, as tão sonhadas ideias virão aos 45 do segundo tempo, se desenhava criança, mas depois de conhecer a régua e o esquadro abandonei os lápis traumatizada, que a intenção inicial de dar as peças se transforma num apego após vê-las esmaltadas, prontinhas, que era muito mais vaidosa do que pensava, pois não queria “melecar a unha”, que aula teórica de esmalte, queima etc dá um sono sobre-humano, que peça pequena detalhista é – como diria o amigo – trabalho “de presidiário”, que gosteu mais de pintar do que de modelar propriamente dito e amassar o barro dava dores nas mãos como quando começou a estudar e fazer massagem...
Nem precisava aprender nada. Só de olhar algumas peças em estado de osso, de couro, de biscoito e a cerâmica, já era a suprema realização. Todas elas bonitas à sua maneira, minhas filhas, paridas dos meus dedos, feitas de olhos fechados, abertos, concentrada, desconcentrada, apaixonada, “cabrera”, ansiosa, confiante, emputecida, engraçada, dramática... Pulsando a vida por todos os poros, sorvendo cada gole até a última gota.
É que fazer o que gosto é minha pinga.

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