Você me deixa com mais espaço na cama e ainda assim não consigo dormir. Parece que o corpo carece de um aperto consentido. Estico os pés, mas suas pernas não estão mais lá. O travesseiro é de novo todo meu e ainda assim falta um pedaço. O quarto ganha proporções exageradas e entrego os pontos levantando.
No banheiro, teu cheiro se impõe, soberano, a ponto de esquecer se ia escovar os dentes, lavar o rosto ou fazer número 1.
Fujo para a sala, mas o olfato, a mais rápida das memórias me embriaga com tua barba dançando de novo na nuca. Olho para a tela nua da TV, como estou agora, em estupor.
Espero que a cozinha me acolha melhor, é o território das bruxas e suas alquimias, onde purgamos a raiva e exercitamos ouvir o sexto sentido.
Mas ali rastros de nós me levam inevitavelmente para ontem: o vinho derrubado, o avental que nos estimulou os abraços furtivos, algum aroma reincindindo após nossa orgia gastronômica da véspera, a toalhinha fora de lugar depois de ter me sentado no balcão, os ímas da geladeira meio caídos de tanto nos apertarmos entre ela e a pia.
Fujo para a janela e pela primeira vez em anos não me irrito com as brincadeiras infantis logo cedo. Os vizinhos das janelas próximas sorriem. Ouviram nossos risos e gritos? Não consigo retribuir, sua lacuna parece me envolver pelas costas e deixar sem reação.
Me refugio no computador, chamando urgente para parir tantas criações emergenciais. Mas clico errado e o programa abre uma foto que tirou numa madrugada idílica inspirado pelo néctar de Baco. Um curta metragem me faz reviver a vez em que posei para tuas lentes. O processador de texto se recusa a interagir com meu coração fora de órbita.
Me rendo ao chuveiro e espero que afinal, a água escorra rever suas mãos subindo nas minhas, me pegar viajando na imagem da cor do seu peito à meia luz e de termos inaugurado um novo costume - não o de perder brincos classicamente em reencontros raros como este, mas de quebrá-los.
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