O menino entra no metrô, põe papeis pedindo ajuda em nossos colos e canta: que estão sem o que comer, o pai não mora com eles... E mais o ruído do trem não deixa ouvir. Fucei a carroca, achei umas moedas, quando ele voltou perguntei se queria o trocado ou o Cranberrie que estava na minha bolsa, quis saber se tinha fome. Quis tudo. Patética, falei pra deixar para lá o preço da zona cerealista no saco da frutinha, seca. Ele saiu da estação e eu quis mais era perguntar quem o ensinou a cantar. A ladainha lembrava capoeira e era mais original que a dos que fazem o mesmo noutros vagões periféricos.
Saindo da estação, converso com um menininho de 5 anos e seu "padrasto": seu nome é Good Luck, como o presidente da Nigéria, o que não importa, pois ficamos falando da massinha na escola, da pintura, que ele fez em todo o quarto, do pique que falta quando eles correm e começam a dançar break antes mesmo de aprender.
Importa sim: é filho de africano. E parece uma alcunha auspiciosa. A namorada surge e cada qual vai para um lado. Tudo na Companhia do Metropolitano dura um flash: o próximo trem, o novo colega, o reencontro...
Uma ex chefe distribuirá comida e bebida na rua das 14h às 22h, chama para participar, só que umas empreitadas culturais e gastronômicas já agitadas com antecedência me aguardam, que pena!
Pena não, o vídeo altoral de literatura infantil não foi possível sair, os celulares fizeram greve pré Natal, mas fui cozinhando e mantrando, cantando, lembrando de como os Hare Krishna fazem suas refeições e desejando que a comunhão culinária redima todas as diferenças, mal estar e picuinhas entre os que se revêm tão sazonalmente, se gostam, só que soltam faíscas com menor periodicidade.
Ensaio contos para as crianças no programa familiar de sempre e lembro muito do conto sobre o pai que vai para o outro lado do rio, do Saramago, a família estranha, tenta aproximar, a irmã do narrador vai até mostrar o neto depois que nasce, mas nada o traz de volta e ninguém entende esse apartamento do "capiau".
Me sinto um pouco como na história e a música El Otro Lado Del Rio, de Jorge Dexler: sentindo outras faltas, tendo outras crenças, sonhos mais rebuscados, dores quase intraduzíveis, infelizmente amigos antigos e famliares nos alijam do lado de lá da margem. Algumas saudades e outras faltas seguimos doendo e outras delícias já vividas ficamos gratas.
Já não importam presentes, comidas que não dou conta de consumir, as perguntas de sempre: a fase "tudo certo, nada resolvido" desfaz o mistério que nos acalentando, desistindo de mudar o imodificável ou de evitar se indispor com quem não tem essa pré disposição de pacificar os relacionamentos alivia o desgaste emocional de sempre de maneira sobrehumana.
Até dá a imprensão que será viável cruzar o rio de novo. Sondar a margem de lá. Ouvir outro idioma, mas não ter daltonia. Sonhar com o comando dos navios e não com a popa ou mastros perdidos/ avariados... Deve ser isso: no aniversário celebrado e rememorado mais de dois mil anos, a ideia é aceitar de dentro para fora e assim esfacelando os mais armados do caminho. Que a importância está no caminhar, não no onde.
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