terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Vim atrás da música

Emendou uma música atrás da outra, até que a condução pública ficou menos apertada e demorada. Põe os fones, ensaia um balanço, pois também não pode se soltar sob pena de se arrebentar nos bancos e passageiros em qualquer freada brusca. Dá o sinal, desce, quando escuta quase do seu lado:
- Você que estava cantando no ônibus?
- Estava.
Ele tinha aquele visual de eterno roqueiro, mesmo que meio datado. Achou a pergunta engraçada e diminuiu o ritmo.
- Então, tenho uma banda e estamos sem vocalista.
- Imagine! Até estudei um pouco na faculdade, mas foi coral, nem tenho tanto conhecimento assim.
- A gente cantava estilo WhiteSnake.
- Pior ainda, vou acabar com a banda de vocês.
- Ah, dá seu fone, claro que você dá conta, estava cantando coisa mais difícil no ônibus.
- Sério?
- Claro!
- Você mora aqui ou...
- Trabalho.
- Eu também.
- Vem nos ensaios,
- Afe, estou na maior sem gracice...
- Ah, logo você fica solta lá no meio da banda!
- Será?
- O que você estudou?
- Teatro.
- Está vendo? Ficará à vontade rápido. Já até cantou um pouco quando estava estudando.
- Acha mesmo?
- E trabalhando perto, dá para combinar mil coisas.
- É, quem sabe...
Trocaram os números. Não demorou muito estavam almoçando num quilo tranquilo do bairro.Se reencontraram no parque perto de onde trabalham e curtiram as folhas secas estalando sob os pés. Foram prestigiar o colega no teatro e deram graças a Deus que  o escurinho escondia umas lágrimas furtivas. Para compensar, conferiram uma comédia no cinema, que era, como diz a mãe dele, "para desopilar o fígado". Quando enfim atiraram as roupas por toda a sala, cozinha e se engraçaram no quarto de um deles, depois de procurar juntos falar uma nova língua, ela lembrou:
- Mas e a banda?
Ele, criativo que só, saiu pela tangente:
- Vamos ensaiar juntos no chuveiro!

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