Dizem que os loucos se atraem: ontem comecei a conversar com uma menina por conta do sapato dela (sonho acordada com o dia em que encontrarei um que não deixe meu pé em estado lastimável) e adivinhe? Ela faz jornalismo. Nem precisei dizer que a coisa está complicada para os coleguinhas da área, ela mesma comentou isso. De qualquer maneira sou meio contra brochar quem está começando: vai saber, a comunicação é um perrengue para alguns de nós, para o foca em questão pode ser diferente. Falei o de sempre, que comento para os que torcem a favor e contra, ainda que sem querer:
- Você sempre terá as melhores histórias de mesa de boteco, em compensação, raramente terá grana.
Onde mais um colega da área lembrará do chefe que em pleno fechamento recorda de uma cobertura no Chile em que bebeu tanto e o álcool deu um sono tão abençoado que nem sentiu o terremoto, só acordou com o chefe ligando no hotel e o quarto quebrado e virado do avesso:
- Como você está depois desta tremedeira toda?
- Ainda estou apurando os detalhes!
Aqui fui atriz fingindo que fazer adubo com estrume não agredia o nariz |
- Minha amiga faz programa para pagar a faculdade. O que você acha?
- Não tenho o que achar, cada um dá seus pulos como pode. Ainda bem que meu pai paga metade da minha.
Pouco tempo depois, quando fizemos a revista Pária, com entrevistas de moradores de rua, índios e... garotas de programa, fui pedir reportagem para ela:
- Elas não fazem nada de graça.
- Não posso pagar o quanto ganham com cliente, no máximo R$ 20 (há uma década e meia atrás, devia ser um valor razoável? Ou realmente faço valer minha fama de zero à esquerda com contas?).
- Fechado. Sou eu mesma. - e aqui começa minha prática de fazer cara de paisagem a cada revelação surpreendente, mas esta capacidade chegou ao seu ápice com a lembrança dela de uma saia justa no motel Faraós - Uma vez um cara queria sair com uma loira e outra morena, mas quando chegou lá começou a xingar minha amiga, que sacou um "tresoitão" e desceu bala nele. A polícia chegou e tratou como legítima defesa, estava em dúvida se era isso mesmo, mas claro que fiquei na minha. - eu ainda não sabia, mas já era atriz e fiz cara de "Vento no Litoral".
Nem só de choques e saídas cômicas se faz um repórter. Quando estava terminando a faculdade e já trabalhava no iG, entrevistei para a Metodista a Esmeralda Ortiz, que não tem este nome à toa: é uma preciosidade mesmo sobreviver à infância na Praça da Sé, com tantos amigos presos ou mortos, depois de violência sexual em casa e na rua, publicar o livro Por que Não Dancei e trabalhar com o Gilberto Dimenstein. O texto e áudio produzidos para a faculdade foram aproveitados no portal depois. E como diz meu amigo multicor, quando a gente se emociona trabalhando, caramba, como valeu a pena a escolha!
Tem as lembranças intangíveis. Como fazer as pazes com a própria voz na Eldorado AM, depois de ouvir colega com voz fina, que parecia ter mão de obra infantil na rádio. Falava dos aeroportos seis e quinze da madrugada, pensava que a humanidade ainda dormia, mas no atendimento ao ouvinte, um deles reconheceu:
- Você fala dos aeroportos cedinho!
Inevitável: como conversamos com Deus e o mundo, em reportagem ou divulgando, ou os coleguinhas se lembram do meu nome, da minha voz, do meu cabelo cobre ou da risada (indiscreta como convém a uma sagitariana com ascendente em leão).
Às vezes a recordação nem é de por a mão na massa: no Canal Rural lembro de todos nós em volta da TV acompanhando o Grito dos Excluídos, caminhada com movimentos sociais até Brasília para reivindicar seus direitos - e aqui, confirmei minhas raízes de filha de sindicalista: "putz! É do lado deles que estou!"
Fora as lembranças tragicômicas, como a chefe que dizia "não quer que fique nervosa, me arrume namorado" e quando a encontrei na fila do cinema atravessei a rua. Na redação quando ela dava piti eu olhava e dizia:
- Ainda nervosa? Vou dar uma voltinha. - mas lá pro décimo segundo grito fui para o RH e joguei a toalha.
Fora a administração de ego: na Kiss FM passei reto por alguma dupla sertaneja que estava com todas as recepcionistas e faxineiras gravitando em volta e depois brincaram que eles não se conformaram da estagiária não reconhecê-los, mas eu tirava sarro:
- Faço questão de esquecer quem canta "uma deusa, uma louca, uma feiticeira".
Em tempo: a Kiss é do mesmo grupo da sertaneja Tupi. Mas vá lá, sou grata por ter ganho ingresso para o show do Djavan, pois a Alpha também era do mesmo proprietário, um chefe virtual que só dava o ar da graça remotamente.
Os jabás são outro capítulo à parte: neguinho tem que se conscientizar que a puxação de saco é para o veículo e não para ele! Tudo bem que às vezes a coisa fica meio nebulosa mesmo: fiz matéria para o programa Próxima Parada em Monte Verde (a Campos de Jordão mais alternativa) e quando voltei em lua de mel, fui conversar com a dona de um restaurante, que não deixou pagar a conta e o atual adorável estranho conhecido ficou sem graça pra caramba. É, talvez contabilizando o que já ganhei em produto, viagem, almoço e festa eu realmente tenha feito uma grana fictícia considerável.
O Osho tem razão: o que imaginamos é sempre melhor do que quando acontece - assim que comecei a estudar minha tia disse que estava fazendo uma novena para eu nunca cobrir guerra, mandei suspender, pois era meu sonho fazer esta cobertura, mas quando ajudei o Alexandre Hisayasu na apuração da máfia de funerárias para o Diário do Grande ABC ou quando fazia aquelas rondas ligando para tudo que é polícia atrás de uma tragédia considerável para cobrir, já ficava mal, se fosse para o front ia chorar na cabeça de criança baleada, não daria muito certo. E assim a léguas de distância do rumo que a vida foi tomando, confirmo que Deus não escreve certo por linhas tortas, é disléxico mesmo - mas dizem que eles são inteligentes pra caraca né!
Quando a gente compra a causa por conta da matéria também não esquece! No ano passado, quando fiz entrevista com o pessoal da Escola Mandala, em Viamão, onde a comuna do Lama Padma Santem põe as crianças para meditar e praticar cultura de paz - neste caso já amava o projeto antes da reportagem. Uma fiz escrevi sobre os Amigos da Escola para a revista Filantropia, fui contar histórias na municipal Campos Sales aqui do lado de casa e descobri outra paixão bandida da qual não consigo mais fugir: "contação" de histórias. Ontem por conta dela fiz o tal link que os desavisados não enxergam na profissão: a introdução às danças da bailarina Paula Lena no Centro de Estudos Universal era em tom quase noticioso, as poesias que vinham na sequência, meio atriz e meio contadora. Disse à bailarina que adoro ouvir todo mundo que entenda demais ou goste muito de qualquer coisa e ela contou que o pai é assim:
- Coisa de quem também tem algo que entende muito.
No fim da noite, o balanço é de preju, para fazer jus à fama de que teatro tem que amar mesmo, pois além de não ganhar, ainda investe e termina no vermelho. Ah Deus, você será fanfarrão mesmo? Então se o mundo acaba hoje eu estarei dançando...
P.S.: temos seis datas comemorativas no jornalismo. Catzo!