terça-feira, 2 de outubro de 2012
Gastrite sentimental
Ela não precisava saber que ele será pai três meses e meio depois da separação. Nem duvidar da amizade de quem contou como quem passa uma receita de bolo. Muito menos questionar os pedidos, promessas e adiamentos tão racionalmente construídos nos anos anteriores. Lembrança indesejada que ele contou ter pedido um filho da cor dele, com ele como pai, muitos anos antes. Recordação indigesta da mãe dele jurando que já se gostavam na infância, batendo papo, aos pés da cama, enquanto as demais crianças voavam em rasantes estripulias pela casa. Podia ficar surda para a voz dele contando para a avó do amigo do atraso, que acharam que dessa vez o herdeiro vinha, mas não tinha sido naquela ocasião. Adoraria não sentir vontade de quebrar em pedaços cada skate que passava perto dela desde então. Justo agora que este era o segundo esporte mais popular, perdendo apenas para os marmanjos correndo atrás da pelota no gramado. Não queria pensar para a definição daquele mal estar, queria sumir com a sensação que não tinham palavras para a transferência super sônica de sonho. Já sentiu algo que não tinha nome, cor ou cheiro quando ele tinha pedido para não procurar mais, para não perturbar a nova... mulher? Ficante? Namorada? Não interessava, queria que fossem felizes na Patagônia, mas sem participar disso, nem à distância. Não se conformava dos homens não ficarem amigos depois das histórias acabarem ou demorarem tanto para conseguir isso. Justo os dois que tinham esse amor de repescagem desde a época dos dentes de leite. Só o músico foi capaz de ficar amigo na sequência do fim, mas eles são seres à parte, criaram um mundo próprio, como os piscianos. Para que desconfiar que as horas extras noturnas e de fim de semana tinham motivação amorosa e não capitalista? Podia sumir com a quase certeza de que quando o outro tem ciúme, ele mesmo quer ou já faz algo meio transgressor. Não tinha que duvidar de uma paixão que deixava sensações físicas insistentes e incômodas, marcas nos tecidos da casa e rendeu tratamentos nos últimos 24 meses. Não por acaso paixão queria dizer suportar forte sofrimento. Desnecessário concluir que isso era patologia e não amor. Um filmezinho de quinta categoria traz o flashback que podia ser apagado dele perdendo o sono quando soube que as entidades do candomblé previram que tinha nenê por vir. Lamenta não ter apagado do computador a foto dele com o filho da amiga no colo . Acha sem sentido voz dele querendo revê-la quando ligou uma vez chorando por outros grilos e já não estavam mais juntos. Definitivamente não precisava rever tudo em slow motion, o efeito que ele usava em seus free lancers e abortar os sentimentos mais confusos e contraditórios pela segunda vez em três meses e meio. A amiga tem razão. Quem dera nossa vida fosse um retrovisor sem visão traseira. Como na volta da viagem à cidadezinha com visual de antiga ferroviária e neblina londrina.
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