sexta-feira, 22 de junho de 2012
Um dia vira a dor que já não dói...
Ontem fui me despedir da minha terceira avó: a que cuidou de mim quando minha mãe voltou a trabalhar. E não só de mim, também "olhou" as netas, que reencontrei já tão crescidinhas quanto eu e embora mais novas, já com filhos. É meio estranha esta percepção, mas foi um velório com muito reencontro de vizinhos da minha periferia favorita. Já ouvi dizer - em algum centro espírita, provavelmente, onde recomendam "o silêncio também é uma prece", que aquele blá blá blá todo ao redor de quem acabou de partir não é bom para quem está numa passagem delicada. Mas como tagarela convicta só fui em despedidas meio parecidas: pouco solenes, com Deus e o mundo se revendo e pondo a conversa em dia. Os loucos se atraem: tenho muito amigo que adora uma prosa, seja lá onde for. Ao menos ontem não tinha meu tio que nem piadas economiza nestes ambientes: as últimas deles foram um tanto quanto desastrosas (se despediu com um "até o próximo" e quinze dias depois morreu o filho do morto, mas isso foi em família, onde todos mandaram ele "praticar o nobre silêncio" no fatídico reencontro). Revi meus ex sogros e cunhada, fiquei aliviada de ver que ninnguém está aborrecido. Também soube que minhas companheiras de infância, com quem dividi esta "avó adotada", já moraram fora, casaram e estão trabalhando com o pai. Como não relembramos muito nossos áureos tempos de "criança feliz", acho que hoje levantei meio nostálgica. Nós brincávamos de casinha ocupando quase todo o apartamento da "avó" - uma visitava a outra no cômodo ao lado. Ela teve mesmo muita paciência. Quando minha mãe retomou a dupla jornada tipicamente feminina, eu fazia chantagem, embora nem lembre, mas claro que ela não esqueceu: dizia que não comeria a maçã que deixava para quando voltasse da escola. Dava uma mordida, jogava fora e tomava uma providencial bronca. Era daquelas que abria a lancheira e dividia com Deus e o mundo, as professoras achavam lindo, elogiavam para meus pais, mas a intenção era não comer mesmo, eu quase vivia de luz. Eram tempos libertários: sem a mãe no pé, comecei a relaxar para escovar os dentes e tive minhas primeiras cáries. Por incrível que pareça ontem também estava lá a dentista de nossa infância, que dava brinquedinhos de plástico, graças a qual nunca tive medo de sentar na única cadeira em que fico quietinha. Levei uns anos para entender que minha mãe tinha medo é do boticão, que só aparecia para arrancar os dentes, quando já não tinham mais salvação, lá no norte do Paraná. Mas o importante é que por causa da minha terceira avó e suas netas, as esperas pela minha mãe que demorava para voltar do trabalho eram mais curtas, leves e divertidas. Nem lembro se brigávamos. Pelo clima ontem já passou tempo suficiente para relevar tudo isso. Minha avó postiça nos levava para brincar na casa de quem se tornaria meu namorido anos depois e contava a mãe dele que ficávamos conversando enquanto as minha amiguinhas e futura cunhada corriam pelo apartamento. O namoro durou o quanto tinha que durar, já nos tornamos amigos novamente, mas não conseguíamos lembrar disso, só confiávamos na memória materna mesmo. Minha mãe ter voltado a trabalhar lá pelos meus 6, 7 anos me tornou adepta de acreditar mais em qualidade de tempo junto do que quantidade. Meu pai falava para ela voltar, já que quem só fica em casa dá uma pirada. E eu forçosamente ganhei maior socialização com a vizinhança, que se dependesse da superproteção típica de filha única que recebia, acho que nem rolaria. Na época lembro que era meio metida a desenhista (dizia que trabalharia com o Maurício de Souza da Mônica), mas quem virou designer foi uma das netas de verdade da minha avó de coração. A outra é dona de casa, mas já tem gêmeos! Esses devem dar um baile danado - fiquei meio traumatizada depois de passar uma tarde e começo de noite com uma amiga e sua filha de 3 ou 4 meses para conseguir "almojantar" uma torta de frango muiiiito tempo depois da minha chegada no seu aniversário. Trabalho doméstico e maternal é B.O., diz ela - e eu assino embaixo, pois cheguei exausta depois de só ajudar meio período. Nossa avó estava numa casa de repouso - parece que ela estava com começo de Alzheimer ou o tempo já estava levando boa parte de suas lembranças, pois antes de ir para lá já não recordava de muito que tentávamos dividir com ela. Eu, minha mãe e minha madrinha de Crisma bem que tentamos visitá-la, mas ficou só na intenção mesmo. Grazie a Dio não tenho culpa não. A que vi ontem no caixão não era a "vozinha de açúcar" que me preencheu tantas tardes, com seu misto de amor e cuidados zelosos. Muito se apagou até da minha memória. Tomara que minhas "meias primas" que compartilharam estes bons tempos com ela e comigo tenham guardado mais. Na memória e no coração. Vai com Deus dona Ordália! É o pingo de gente da foto que se despede, não a adulta relapsa de hoje em dia tá?
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Lindo Fran!
ResponderExcluirComo a gente era feliz em brincar embaixo da mesa e dentro do móvel da máquina de costura da vó.. oww saudade das mil e umas panelinhas, pega-pega e esconde-esconde dentro e fora do apartamento.
um beijo
Fran, sendo sua memória boa ou não, ela me pareceu com esse texto ser um mote muito bacana pra você trabalhar.
ResponderExcluirGostaria de textos mais detalhados sobre personagens e situações que nesse aí de cima você só trata "en passant". Renderiam coisas deliciosas de se ler. Não sei se lhe interessa escrevê-los, mas a mim interessa lê-los, caso você os faça existir...
A frase de encerramento, apesar da leveza, me emocionou... Não sei se é o meu estado de espírito, o meu momento, mas as últimas linhas (sobre a avó que não era mais aquela, sobre você não ser mais aquela) me tocaram especialmente.
Gosto desse seu jeito leve de dizer coisas mais profundas ou pesadas, embora, às vezes, também me pareça uma defesa contra uma suposta pieguice, ou de passagens mais confessionais. Creio que, conforme for apurando sua "pena", você saberá obter uma mistura fina desse jogo de graus variados de distanciamento. Estarei lá (aqui) para testemunhar essa evolução estilística!
Abraço da Jana, leitora agora assídua