sexta-feira, 15 de junho de 2012

Mais de 30 escolas se unem na caminhada da paz

Meu bairro não tem lixeiras verdes suficientes presas aos postes. Tive que insistir com meu lixinho na mão até encontrar uma. Acessibilidade também não é nosso forte. A calçada de cada casa tem praticamente uma rampa particular para seu carro, o que dificulta até para quem anda bem, image um cadeirante. Mas ele tem há 14 anos a caminhada pela paz do Movimento Sol da Paz, que iniciou depois que a aluna Leonarda saiu à noite da Escola Campos Salles e foi assassinada com tantos tiros no rosto que o diretor de seu colégio não conseguiu olhá-la no caixão e chamou líderes comunitários para começarem este movimento. Sua avó estava presente, de bengala, para apoiar nosso sobe e desce de 4,5 km nas ruas e vielas do Heliópolis, a minha comunidade. Ganhamos girassóis para pendurar nas roupas, além dos símbolos rosa contra o câncer da mama e vermelhinho de conscientização da Aids.

Revi o Brás, diretor do colégio em que fui voluntária por um ano com contação de histórias, pelo Amigos da Escola e também a professora da sala de leitura, que comemorou na época o aumento dos empréstimos de livros. Conversei com a professora de artes e ainda conheci a apostila do município, que tem até a Mafalda do Quino entre as sugestões de aula. Soube das aulas gratuitas de teatro, percussão, capoeira... Descobri caminhando, que os moradores já contam com do in, reflexologia, meditação, academia comunitária, biblioteca... E que a rádio já mudou de endereço, não fica mais tão perto da quadra. Gritei com professores, alunos e moradores um longo grito "de guerra", que entre outras coisas dizia "que a paz nasce com as crianças e cabe aos adultos sustentá-la". Me espantei com a participação do abrigo para moradores em situação de rua Arsenal da Esperança, que veio da Móoca para participar. Conversei com um monge de lá, Marco, italiano, engenheiro de telecomunicações, que estimula o pessoal a não só estudar e conseguir um trabalho, mas a toda semana fazer algo por orfanatos, praças... Em 4 anos, já são 450 trabalhos voluntários, que trazem para eles o sentido maior da existência. Todos com camisas vermelhas que traziam uma espécie de slogan "floresta que cresce", já que "faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que cresce", de acordo com este moço, que documentava tudo para por uma trilha sonora depois. A bandeira deles tinha várias bandeirinhas de diversos países ao redor do pedido Pace (paz). O monge justificava que a paz tinha que ser de todos, ou não seria de ninguém. Vi o pessoal do marketing da Caixa lá, teve cobertura da Bienal (que já levou as crianças para lá e ainda fez com que elas criassem álbuns), do Diário de S.Paulo e se não me engano, do SBT (ao menos tinha um carro deles na Estrada das Lágrimas).  Estava como criança, redescobrindo o bairro depois de 5 anos fora: o Shopping do Real ("aqui seu dinheiro vale mais"!), os moto táxi ("tudo é passageiro... para nós, o passageiro é tudo), o Mec Favela, as ruas da Alegria Popular e Castelo dos Sonhos. As crianças em caixotes transformados em ambulãncias, de touca e máscara médica, pedindo por saúde de qualidade. No finalzinho, revi o professor Israel, que deu tantas caronas para mim e outra amiga da Faculdade Paulista de Artes nos últimos três anos (soube que ela está de volta ao bairro). Claro que fomos todos bebemorar num boteco, que a turminha do Campos Salles já não é mais a mesma, mas continua divertida. Depois ainda contei com a companhia do Isra para carregar meu bilhete único e matar as saudades da Estrada de São João Clímaco (sim, só nós conhecemos este santo, mas e daí?). Ri de um senhor que jurava para nós "nunca entendi porque velho é chato, só quando virei um. Nunca vire velho". Ganhei carona dos pais mais preocupados do que nunca, já que tinha saido cedo de casa e - fazer o que? - sou filha única. Eles bem que tentaram, mas estava bem humorada demais para bater boca. É tão única esta sensação de pertencimento. "A gente pode sair da periferia, mas ela não sai de nós". Nas últimas semanas vi Fernanda Montenegro no teatro, consegui vaga para fazer dança de salão e pilates e ainda assitirei Fábio Assunção. Claro, só podia ser ano de eleição. Mas estamos de olho, passamos a tarde de ontem alertando as pessoas para participarem do quanto o governo arrecada, onde investe, em que aplica. Vimos tantas pessoas nas janelas, nas portas, pondo bandeiras brancas em suas casa e comércios, apoiando ainda que com cartazes simples. É como já comentou Luís Nassif: igualzinho à lenda de Anastácia, que vai buscar longe, mas encontra a felicidade do lado, fui curtir na Vila Mariana a proximidade do Sesc, do metrô e do Parque da Aclimação, mas é nesta quebrada aqui que me sinto em casa.
"O que você faz pela paz"? Titãs
Bem, depois de ouvir uma moça reclamando no ônibus de sete assaltos numa rua do bairro e outra com medo de descer no ponto final porque tem uma "louca esperta" que só joga pedra em criança e mulher, ontem eu plantei minha sementinha. Olha a cobertura de parte da imprensa aí:

Eu e o Bidu também acreditamos que "no coração de quem faz a guerra nascerá uma flor amarela... Como um girassol"... E você?

Nos últimos dois dias teve um Festival da Paz, com vários grupos de crianças apresentando o que prepararam para reivindicá-la. Teve um grupo que fez uma coreografia com a música Brasil do Cazuza. E ainda tem quem ache que o povão só quer ouvir Michel Teló! O carro de som tocou muito ela ontem.

Um comentário:

  1. Franzitas, lembra o que te falei do Woody Allen? Nestes últimos textos não vi tanto daquela característica em particular, mas uma ideia me acendeu na cuca agora: como ele, você também tem um amor, um envolvimento e um poder de "filmar" o seu bairro que dá vontade de tirarmos nossas bundas das cadeiras ergonômicas e nossos olhos da frente da tela para conhecê-lo pessoalmente, a pé, ao melhor estilo "roots".

    Confesso que não vi os vídeos... Talvez porque não venha aqui buscar imagens e sons prontos, mas justamente o poder evocativo das imagens e sons que emergem da leitura dos seus textos. Não tava no "mood" de ver vídeo não...

    E isso tem a ver com o que eu estava dizendo. Descobri que todos os textos que leio aqui me dizem a mesma coisa: "deste post sairia um livro inteiro de crônicas e contos, ou pelo menos boa parte". Cada um parece um trailer de um baú de memórias, relatos e ideias que merecem um "slow-reading", se é que me entende...

    "Filme" mais Heliópolis pra gente!

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