Nós nos conhecemos nos apertos de "Casseta Mercantil". Os salários não saíam e quando ele tinha que arrumar nossos cabelos, praticamente "lavava louça" em nossos couros cabeludos. Até hoje enrolo para retocar minha "ruivice estado de espírito", pela aflição de desembaraçarem a "casinha de sapê" a seco, sem creme. Mas tenho "porcelana de queixa" que tudo machuca e não "casca de mulata" resistente até a gilete enferrujada como minha prima irmã. Cada mergulho naquela mistura de tintas é sempre terapêutico, só que eu esqueço por ter dificuldade de ser 100% mulherzinha: arrumo o cabelo, descascam as unhas, faço o pé, a depilação já venceu. Não acompanho a necessidade em tempo real de manutenção com esta agenda digna de Duracell: oficina, capoeira, peça de amigo, aula de dança. Só quando percebo que estou "brincando de abóbora do Dia das Bruxas" é que agendo retoque e volto correndo. Devo ser daltônica igual o "sarrista inveterado que e gerou".
Pintar cabelo é uma alquimia à altura de cozinhar. Ele é praticamente um mago dos pincéis. Já nem digo mais "não quero ruiva 'quenga', nem escancaradamente pintei ou ponto de referência". Relaxo. O quanto minha alergia permite, pois basta que ele se recolha à "bat caverna" das caixinhas coloridas, faça o mix do ruivo, com acaju e louro escuro ou coisa que o valha e volte de tigelinha na mão, pronto para a renovação que você precisa e ele já detectou pela ironia com que pisei no salão. E eu me rendo: à coceira do couro cabeludo, ao sarcasmo imperdível dele, a todas as vezes em que ele puxa meu tapete, pois precisava de novo me sentir com os "pés no ar" e ele percebe, pois não é só o técnico que alterna a tesoura, com o desenhar de uma sobrancelha e redesenhar um rosto, é o terapeuta de coração, que rebate sua revolta descabida com a terapia "da libertação pela risada". É a quem entrego a moldura do meu rosto, mas só depois de besuntada até pintar a testa mostro a foto que fiz da farmacêutica e confesso que era aquela cor que queria, mas sabia que seria impossível, pois ela é "original de fábrica". É ele quem sempre aconselha "não tenha juízo e se tiver, não use". É graças a ele que confiro no espelho depois e estou sim, no tom que queria, com o qual ouço "não acredito que não é seu, jurei que era".
Ele não medita - até onde eu saiba - pelo menos não disciplinadamente, mas quando se municia de seus pincéis, fica completamente entregue à arte de nos devolver à nossa personalidade descoberta ao longo da vida, já que foi ele que me ensinou que cor dos fios e perfume nos personificam. Acho que com ele comecei a aprimorar a fina arte "de rir da minha própria desgraça", quando o que nos era devido não era pago, ele pesava a mão na maquiagem e eu entrava no ar com as marcas de nossa indignação pela penitência paga naquela várzea trabalhista em que nos conhecemos.
Com ele, me aprofundei no histórico das prisões trabalhistas televisivas brasileiras e o calote que cada uma imprimiu na história de superação dele. Sentada na sua praticamente "taberna de mago", pude viajar pelos quatro cantos do mundo em que ele preparou atores para entrar em cena e não ouso contrariar quando ele brinca "tudo louco", pois tenho menos tempo de estrada que ele para argumentar. Me ressinto que quando virar as costas ele falará o mesmo da minha porção atriz, mas me justifica que sou desequilibrada, o que é diferente "louco rasga dinheiro (talvez o que não o pagaram) você é 'talvez, quem sabe, apesar, contudo, todavia, quiçá'".
É no recanto do meu mago terapêutico que relaxo ao ponto de me permitir ler fofoca descompromissadamente, de escutar comentário ácido sabendo que é o momento da "terapia do espelho", em que precisamos ter olhos para ver a necessidade coletiva de processar nossos demônios analisando o pecado alheio. Mulher não é fofoqueira "de carteirinha", mas "psicóloga por instinto": tem que entender a escorregada de quem conhece para marcar a fogo em si mesma o caminho de não vivenciar a dor de quem do outro. Assim como muitas rodas de homem "desestressam" da pressão cotidiana debatendo futebol, bancando o gourmet da cerveja ou discutindo nossas curvas, relaxamos de ser mãe, profissional, esposa, mulher, filha, vizinha e amiga, nos entregando aos dedos mágicos de quem nasceu para pintar um quadro em nosso rosto, mas começou treinando no seu mesmo e descobriu domesticamente como improvisar visual displicente ou atenuar cara blasê sem expressão. E com ele descubro que a questão não é fazer o que se ama, mas amar o que se faz, pois ele estudou para cabeleireiro por ter ganho um curso, mas sempre teve e ainda tem nojo de cabelo - só que faz de nós as estrelas da telinha e do palco que ele preparou tantos anos atrás.
Como ele ganho dicas prosaicas: "o que disfarça olheira é creme para hemorróida", levanto declarações bombásticas "já colei cílios postiço com super bonder", relembro a verdade fugidia "vocês tem que ser felizes por vocês, independente de casar, quem já teve marido viu que não é tudo isso", descubro "que pele negra e morena têm mais tendência à alergia ou quelóide, uma vez quase 'empacotei' um músico do Roberto Carlos para que a luz do palco não refletisse tanto no grisalho dele" e recebo insight digno de mestre espiritual "depois que perdi meu pai e minha mãe, nada mais é importante".
Do interior ele veio, varrido por preconceitos provincianos e ao meio do mato ele voltou dando a volta por cima, já escolado, tarimbado, reconhecido, como é de praxe naqueles em que ser guerreiro é o caminho natural, recebendo o tratamento oposto ao de anos atrás, quando ainda não tinha se descoberto o batalhador dos pincéis e tesouras.
Com ele ri dos bastidores de TV, quando maquiou uma colega em comum e o apresentador quis fazer merchan: "o Jaques Janine que te deixou linda", mas ela corrigiu "não, foi o Nino". Noutra entrada, mais uma escorregada no abacate do especialista em alfinetar daquele canal "só pode ter sido esse o cabeleireiro de vocês que errou no seu visual hoje" e ela "não, foi o Jaques Janine".
Conhece como ninguém a alma instável da mulher, que o procura "de vez em sempre" após um fim de namoro, casamento, noivado, para mudar completamente a cor, o corte... Mas ele não repagina ninguém nessa hora: "daqui a pouco você volta com ele e retorna arrependida". Também cortou os "encaixes", que "a exceção não pode virar a regra ou deixar ninguém desacostumado" e corrigir erro dos outros está fora de questão "nunca fica como a pessoa quer, mas o culpado é sempre quem tentou melhorar o que não deu certo".
Lá a gente come soja, que ele está de olho na alimentação há anos por conta da diabetes. Também por causa dela está difícil de melhorar um machucado na perna depois de arrumar briga com os "nóia" do bairro - acho que ele aprendeu a ser barraqueiro com os "jornaloucos" que atende, que geralmente "têm um palanque na garganta" e não perdem a chance de rodar a baiana.
Ele tem o nome do meu pai, com quem também tenho uma relação passionalmente exaltada. E ao contrário dele, gosta que o significado seja bento. E abençoado seja o melhor presente atrasado que poderia dar neste Natal e pré virada de Ano Novo: minha literatura. Mago, sei que isso não será garantia de felicidade, mas queria casar de novo só para você me maquiar, que essa sua mágica dos pós e sombras ainda não tive o privilégio, mas terei. E será numa bênção (como seu nome), que para combinar com a "casa nova inacreditavelmente familiar que voltei", precisa ser budista. Muitos preparados de pós, cores, reinvenção dos cabelos, remodelar das sobrancelhas, temperadinhos com viagens, amor, paz de espirito, saúde, proteção e abundância no ano que chega. É que melhorar o que foi criado e não combina com a gente também é brincar de Deus. Que do seu salão saí curada de muitas dores corporativas e amorosas. Evoé!
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Nessa ceia, uma terapia
Minha família sabia exatamente o que precisava neste Natal. O meu pai "pé no peito" falou que meu vestido estava especial. Oi?! Reclamei com minhas tias que o kibe de forno, depois de virar a cozinha do avesso, não tinha dado certo, que comia cada delícia nos bazares veganos, demorei cem anos para arriscar levar algo meu na ceia, mas ele desandou e uma delas disse que o que valia era a intenção. Cheguei com a maior cara lavada na festa, mas minha comadre deu um trato com suas habilidades de maquiadora, que "vamos combinar"? Aprovaram a produção depois. A campanha contra a minha "pegada natureba" continua. Mas dessa vez tinha uma meia dúzia de pratos para eu não me sentir colocada para escanteio na ceia. Não rolou o tradicional amigo secreto ladrão. Mas o divertido foi presentear só as crianças e vê-las atirando os perigosos dardos de plástico pela casa afora e agarrando cães de pelúcia. Rolou uma nostalgia das épocas de abundância de presentes em nossa infância, mas "passou, foi só um sonho". Meus pais puxaram o carro cedo. Mas ganhei um colchão em pleno quartinho da minha saudosa avó para esticar a balada doméstica - uma bênção para meus ouvidos, pois tenho tias que dão boa noite e já emendam no ronco. Ganhei uma camisolinha bonita e confortável - um milagre em se tratando de artigos para mulheres. Senti falta da prima postiça - que nós também nos apegamos aos agregados que vêm e vão da família - mas na visita ao nosso presente de Natal, o Pedroca, que chegou praticamente "anteontem" me toquei que os homens e as mulheres têm brincadeiras iguais para maquiar as mesmas chateações colocadas no fundo das prateleiras. Pelo segundo evento familiar consecutivo, o priminho antissocial me abraçou, beijou: é um presente e tanto em se tratando de um "escorpianinho" típico. Conhecemos o novo membro da família e esperamos não tê-lo assustado com o quanto somos emotivos exaltados. As fotos da prima que descambou para a Austrália alimentam sonhos velhos de guerra. Compartilho com minha comadre a mesma indignação e vontade de melhorar nosso ensino. Minha tia me deu um banho de creme e trança que foram uma quase reconciliação, depois de passar a infância reclamando que minha mãe cortava meu cabelo "Joãozinho". Fomos num comboio assustador visitar o novo membro da família, que nem se abalou com o quanto um pede silêncio e o outro emenda numa piada em alto e bom som. Fiz o banco do carro da minha tia de divã na carona de volta. E o presente natalino foi intangível: fazer a priminha que parece com o tio dormir, embaixo da fralda que era para ela não se distrair, ouvir o tio dizer que ela tinha adorado o colo e o pai brincar que não podia raptá-la, pois a mãe teria dificuldade de comprovar que era dela, com a cor da pequena parecendo mais comigo do que com a "mulatice" da mamma. E assim, alternando dias auge da montanha russa com os corta pulsos, nenhuma pergunta ou comentário "cutuca gastrite". Eles mais que mereciam o conto que produzi aos 45 do segundo tempo e li depois do almoço neste feriado. Me revezando nas interrupções deles, que mostram de onde vem minha dispersão. Como passar o Natal longe dos "loucos mansos" do meu coração?
domingo, 23 de dezembro de 2012
Estrela cheia a baião
Essa semana a esperança saiu do coma induzido. E deu um respiro. Enigmático, mas assoprou que a vida é um segredo de Deus sussurrado numa noite de chuva. Então só chegam pistas. Que a jornada é para ser descoberta, desvendada, desvelada. Como abrir o doce feito e embrulhado a mão. E o mesmo mestre de sempre, a mesma voz de outrora, descortinou o estudado, mas esquecido "é um sonho, ainda que em vigília". E então a gente sorri para ele. Percebe que está caindo, mas se liberta pela risada. Olha a areia do apego escorrendo pelos dedos, tudo absolutamente diferente do que enfiaram na sua cabeça que tinha que ser. Mas brincamos de senhor da dança. Reencontramos a pessoa amada, nove meses depois e ela nasceu de novo, magra, radiante, transformada, entendiada. Com prosa para um dia de riso, choro e macarrão improvisado. E a gente revê as tias, arreganha o coração, se diverte e se emociona. Ouve para falar baixo e em seguida vem quase um grito de euforia. Que saímos da barriga e já nos contradizemos. E corre para dançar, crente que não vai chegar, a amiga faz o milagre da multiplicação dos ingressos e a gente arrasta pé. E convida para dançar e nem pisa no pé, ouve que é dançarina profissional e sua a alergia, se sente em Exu, no Nordeste, quase no meio do filme do Gonzaga. E o baião arrepia os poros e salta as veias e a gente rodopia, que somos "auto divertidos" como na comuna do falecido Orkut velho de guerra. E ganha vinho e chama Dionísio para a pista e prende o cabelo, faz Maria Chiquinha, volta para a infância. E dança. Apaixona pelo brinco da amiga, agradece a sandália franciscana - uma pechincha - ela escorrega, mas no embalo do Trio Virgulino, só dança. Sozinha e acompanhada, de olhos abertos e fechados, como se tivesse plateia e como se ninguém estivesse vendo. Termina o show de sorriso largo, coraçãozinho apertado, ai que lombriga de São João! Se esparrama pelo almofadão do Sesc, fala de política, trabalho, amor, espiritualidade. Os funcionários nos tocam, têm que descansar, é verdade! Minha mana chama pra virada em São Tomé das Letras, ah que pena, a verba não esticou tanto assim. E o baião ainda está em mim. Volto para casa procurando estrela. E tentando adivinhar como o nome desse blog "que cheiro ela tem"? De mar, de praia, de terra vermelha paranaense molhada, de fertilidade encharcada, de barro esculpido, de teatro vivido, de criação literária, de paixão bandida, de vida escondida, de mistério dos astros. De Deus sorrateiro, no nosso encalço. De sonho renascido, remodelado, "encordoado", de batalha ainda não terminada, de terra encharcada, de saudade indefinida, de reencontro quase mágico, de sonho a quatro mãos, de verdade virtual, de que vontade dum mapa astral!
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Até a exaustão
Vou escrever até morrer
até que consiga te entender
Até tudo fazer sentido
até que não corra mais perigo
até abortar isso que não tem nome
mas me deixa com uma fome
até lembrar o caminho que me trouxe até aqui
até tirar esse incômodo dali
até purgar esse lastro
até não deixar mais rastro
até lavar de mim essa cor
até não sobrar mais nenhuma dor
até não lembrar mais teu cheiro
até te esquecer por inteiro
até entender
que só sofro para te escrever
até que isso tenha fim
até te purgar de mim
até extirpar essa história
até embotar tua memória
até te fazer sumir do mapa
até pular essa etapa
até a exaustão
(esquece, não vou rimar com coração)
até minha interna reacomodação
até admitir meu exagero
não achar mais nenhum desespero
até rir de mim
e achar bonito esse fim
até que consiga te entender
Até tudo fazer sentido
até que não corra mais perigo
até abortar isso que não tem nome
mas me deixa com uma fome
até lembrar o caminho que me trouxe até aqui
até tirar esse incômodo dali
até purgar esse lastro
até não deixar mais rastro
até lavar de mim essa cor
até não sobrar mais nenhuma dor
até não lembrar mais teu cheiro
até te esquecer por inteiro
até entender
que só sofro para te escrever
até que isso tenha fim
até te purgar de mim
até extirpar essa história
até embotar tua memória
até te fazer sumir do mapa
até pular essa etapa
até a exaustão
(esquece, não vou rimar com coração)
até minha interna reacomodação
até admitir meu exagero
não achar mais nenhum desespero
até rir de mim
e achar bonito esse fim
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
E a família aumenta
Delusão
A nostalgia desenhou uma teia
O encontro recriou pontes
Voltar ao prolongamento da infância
faz o sono parecer supérfluo
As muitas ideias de uma criação
desnudam a emotividade
A língua nova da conversa pelo sorriso
e a lua explicitando bom humor e exagero
A palavra pondo em ebulição o fogo dos astros
A ocasião reencantou o destino
E o açúcar deu à luz
a pedaços novos de mim mesma
O reencantar que embota a lembrança da fugacidade
desse virar do avesso
Qual o caminho de volta?
Um soluço e a indecisão na encruzilhada
O trator real dilacera isso que não tem nome
A falta de ar de quando não dá mais pé
Pode ser o histórico meio onda do mar
O inevitável balanço de ano novo adiantado
Ou esse vinho esquecido na geladeira
que extravasa a corta pulsos que dorme em mim
O encontro recriou pontes
Voltar ao prolongamento da infância
faz o sono parecer supérfluo
As muitas ideias de uma criação
desnudam a emotividade
A língua nova da conversa pelo sorriso
e a lua explicitando bom humor e exagero
A palavra pondo em ebulição o fogo dos astros
A ocasião reencantou o destino
E o açúcar deu à luz
a pedaços novos de mim mesma
O reencantar que embota a lembrança da fugacidade
desse virar do avesso
Qual o caminho de volta?
Um soluço e a indecisão na encruzilhada
O trator real dilacera isso que não tem nome
A falta de ar de quando não dá mais pé
Pode ser o histórico meio onda do mar
O inevitável balanço de ano novo adiantado
Ou esse vinho esquecido na geladeira
que extravasa a corta pulsos que dorme em mim
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Deja Vu
- Já sei porque gosto tanto desse perfume.
- Descobriu agora?
- Vendo essa saída em comboio do cursinho. Acho que o cheiro me lembra minha "aborrescência".
- Ela não pode ter sido tão boa assim. Nem esse perfume pode ser tão antigo.
- Não sou tão retrô quanto você pensa. Dizem que nossa memória olfativa é a mais rápida.
- Nessa fase a gente espera o resultado do vestibular. Os pais liberarem alguma saída ou viagem que nunca mais se repetirá. E o homem da sua vida da semana passada ligar.
- E nessa você, que pensou que a grande prova da sua vida fosse entrar na faculdade, espera o resultado do teste de trabalho, que por sinal tem muito mais gente por vaga. Espera ter grana para aquele filme, peça, sonha em estudar fora e pegar avião sem ser a trabalho. As viagens dos seus sonhos já te esperam há uns três anos, já perdeu as contas ou minimizou o tempo sem trégua do batente, pois a última vez que pôs o pé em aeroporto foi a negócios. Você também espera outro homem ligar - só acha que é "o da sua vida desse momento".
- Eu escrevo para decantar.
- Eu troco de papéis no teatro. Mas eu podia absolutamente tudo na sua época. Era do tamanho dos meus sonhos. Ou seja, gigante.
- Você não sonha mais?
- Sim, mas não sei onde foi parar aquela que faria francês e conheceria a Cidade Luz só por causa do nome. Acho que tenho saudade dela.
- Mas nessa época tem amigas que te deixam na mão.
- E agora há promessas não cumpridas, mas parece que podíamos confiar nelas: com os furos, você não sabe que contas pagar.
- Será por isso que uns fumam demais?
- Hoje tem quem se drogue demais. Será que é para embotar o quanto estão "um pote até aqui de mágoa" com as promessas não cumpridas?
- Vai saber? Só sei que escrevo para não morrer.
- E se não esperássemos nada uns dos outros? O que viesse seria lucro.
- Podíamos fazer esse perfume que gosta com tanta água salgada derramada.
- Mas quando estive no seu lugar era mais romântica, sonhadora, idealista.
- Ser adolescente hoje já não é mais a mesma coisa.
- Agora o inverno é mais curto, mas o frio aumenta. Deve ser por causa da solidão da qual fugimos.
- Por isso que você tem que inventar esse reencontro?
- Como você não está aí? Não usei nada alucinógeno hoje.
- Você está levando os personagens para casa?
- Você é que está escrevendo demais. Mas eu não acabei aquela sua aula de yoga que estava te dando há...
- Já aprendi o essencial. Estável e confortável. Inclusive na guerra diária. É como na cãibra: temos que ter a coragem de descontrair para a dor partir.
Cena escrita a partir do poema de Mário Bortolotto "Do lado de cá da cidade faz muito frio/ talvez por isso os amigos bebam demais/ talvez por isso eu sempre cruzo as figuras no cinema/ do lado de cá da cidade existem acordos fraternos/ talvez por isso as pessoas estão sempre magoadas umas com as outras/ e choram tanto e bebem tanto/ eu já estive do outro lado da cidade/ só uma vez" na oficina "Da Poesia para a Cena", com Paula Autran Chagas, na Casa das Rosas, nov/dez/ 2012.
- Descobriu agora?
- Vendo essa saída em comboio do cursinho. Acho que o cheiro me lembra minha "aborrescência".
- Ela não pode ter sido tão boa assim. Nem esse perfume pode ser tão antigo.
- Não sou tão retrô quanto você pensa. Dizem que nossa memória olfativa é a mais rápida.
- Nessa fase a gente espera o resultado do vestibular. Os pais liberarem alguma saída ou viagem que nunca mais se repetirá. E o homem da sua vida da semana passada ligar.
- E nessa você, que pensou que a grande prova da sua vida fosse entrar na faculdade, espera o resultado do teste de trabalho, que por sinal tem muito mais gente por vaga. Espera ter grana para aquele filme, peça, sonha em estudar fora e pegar avião sem ser a trabalho. As viagens dos seus sonhos já te esperam há uns três anos, já perdeu as contas ou minimizou o tempo sem trégua do batente, pois a última vez que pôs o pé em aeroporto foi a negócios. Você também espera outro homem ligar - só acha que é "o da sua vida desse momento".
- Eu escrevo para decantar.
- Eu troco de papéis no teatro. Mas eu podia absolutamente tudo na sua época. Era do tamanho dos meus sonhos. Ou seja, gigante.
- Você não sonha mais?
- Sim, mas não sei onde foi parar aquela que faria francês e conheceria a Cidade Luz só por causa do nome. Acho que tenho saudade dela.
- Mas nessa época tem amigas que te deixam na mão.
- E agora há promessas não cumpridas, mas parece que podíamos confiar nelas: com os furos, você não sabe que contas pagar.
- Será por isso que uns fumam demais?
- Hoje tem quem se drogue demais. Será que é para embotar o quanto estão "um pote até aqui de mágoa" com as promessas não cumpridas?
- Vai saber? Só sei que escrevo para não morrer.
- E se não esperássemos nada uns dos outros? O que viesse seria lucro.
- Podíamos fazer esse perfume que gosta com tanta água salgada derramada.
- Mas quando estive no seu lugar era mais romântica, sonhadora, idealista.
- Ser adolescente hoje já não é mais a mesma coisa.
- Agora o inverno é mais curto, mas o frio aumenta. Deve ser por causa da solidão da qual fugimos.
- Por isso que você tem que inventar esse reencontro?
- Como você não está aí? Não usei nada alucinógeno hoje.
- Você está levando os personagens para casa?
- Você é que está escrevendo demais. Mas eu não acabei aquela sua aula de yoga que estava te dando há...
- Já aprendi o essencial. Estável e confortável. Inclusive na guerra diária. É como na cãibra: temos que ter a coragem de descontrair para a dor partir.
Cena escrita a partir do poema de Mário Bortolotto "Do lado de cá da cidade faz muito frio/ talvez por isso os amigos bebam demais/ talvez por isso eu sempre cruzo as figuras no cinema/ do lado de cá da cidade existem acordos fraternos/ talvez por isso as pessoas estão sempre magoadas umas com as outras/ e choram tanto e bebem tanto/ eu já estive do outro lado da cidade/ só uma vez" na oficina "Da Poesia para a Cena", com Paula Autran Chagas, na Casa das Rosas, nov/dez/ 2012.
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