terça-feira, 24 de novembro de 2015
Lapidando a Forrest Gump de saias
"Sou o pirata da perna de pau/ olho de acrílico"... Não cabe na música, mas o último quase um mês foi voltar ao velho tampão da infância de modo atualizado: grudar um acrílico no olho para não coçá-lo à noite - não por acaso tive um professor de física que nos aconselhava a não coçá-los até o orgasmo e olha que ele nem sabia que sou glaucomatosa. Nas últimas três semanas tive coceira da fita crepe, arranquei o tampão com o namorado acordando com o barulho e pedindo para recolocar e até acordei com ele na mão sem lembrar de tê-lo tirado. Mas diverti a Peteca jogando bolinhas de fita crepe pra que corresse atrás, amarradona. A única vantagem foi não ter colega de escola me chamando de pirata, eu brigando e ir parar no castigo. Perdi dois colírios, os alarmes não tocaram, descobri que esforço é muito mais que carregar peso, furei o repouso sem me ligar, depois também fiz de conta que não era comigo e... rezei. Tomei patada de gata. Estudei, desisti de curso com dor no coração, revi amigas mais preocupadas com minha rebeldia cirúrgica que eu mesma, perdi bolsas de oficinas, cansei mais revendo conteúdo que pondo a mão na massa. Tive um fiapo esperançoso pelo caminho. O olho deu uma sangradinha e a vermelhidão parte em suaves prestações. Adiantei as férias sem querer e alterno entre leitura, visitas, filmes e tédio. Atualmente me sinto feito o jogador Amaral do Palmeiras ou a Marta Suplicy pós botox visitando o CEU aqui perto, com um olho abrindo e o outro fechando. Começo o post nesse balanço para confirmar que uma vez jornalista, sempre jornalêra: nossa visão crítica beira o insuportável. Como meu inferno astral está acabando, estou naquela inevitável fase de fazer balanços, sejam lá quais forem. Não temos nem um mês útil pela frente mais. Já estamos cruzando com decorações natalinas, ouvindo ou lendo "boas festas". Me parece o primeiro em muitos anos em que as coisas melhoraram horrores: finalmente meu trabalho me parece significativo. Fico enlouquecida com burrocracia, como também fiquei em comunicação, mas ensinando, contando história, formando, editando livro, propondo projeto em grupo, volta e meia algum retorno muito humanizado faz a ralação toda fazer algum sentido. Esse que fiquei quase décadas procurando. Às vezes encontrava em algum retiro, mas sair das bolhas de espiritualidade e voltar ao "sanguenozoio" da comunicação desmoronava qualquer construção de paz de espírito. No jornalismo também elogiaram texto, me chamaram de argumentadeira, fui um razoável iniciadora de estagiários e assistentes com os quais ainda tenho contato e se deram bem, obrigada, mas... Tudo era corporativo demais para alguém tão passional e lúdica como eu. Tenho toda licença de ser brincalhona de ponta a ponta nas creches. Para alegria do coletivo, sento e quase faço psicografia de projeto. Os alunos são uma graça, as chefes das chefes e os professores também. Por ser insuportavelmente idealista ainda me pego sonhando só com oficinas, livros, contações e projetos, mas conversando com amigos que volta e meia se pegam passando o aperto dificultoso típico dos artistas, prossigo teimando na educação. E esta noite me deu um clique aliviante: se passei 18 anos instabilíssima entre o jornalismo e as assessorias, com todas obrigações de funcionário, mas sem direitos de um, é aceitável ficar estável na sala de aula pela primeira vez num longo e tenebroso inverno. Só acabei pegando me tornando a "Run Forest Run" sempre que ouço "vamos conversar". Às vezes nem é nada trash, mas pelos meus traumas, só quero começar tudo de novo, já que esse é meu vício profissional. Em meio às histórias me divirto com os pequenos e suas dúvidas. Poso meio ressabiada para foto, afinal quem sou eu pra essa badalação cômica? Às vezes enfio o pé na jaca e compro mais livros do que deveria. Descubro histórias afro iguaizinhas às da nossa tradição oral. A cultura popular bebeu ou foi parida da mesma fonte! E finalmente encontrei um coletivo para chamar de meu: temos decolado projetos que só eu e Deus não rolava. Dois livros que esperam há décadas para sair do computador ganharão o mundo. Ao menos as criações artísticas queremos mais é que vão pro abraço mesmo. Tenho viajado mais a descobrimento que a trabalho como em minhas temporadas de repórter e assessora. Após chegar ao estágio de buscar Tinder de ETs ou oficina para cura hetero, eu e minha "dupla", meu parça, o tal companheiro pros altos e baixos nos encontramos. Nos dispersamos às cegas um período significativo, mas agora estamos até realizando sonhos, nos escrevendo, ele me faz curtir ficar à toa em casa e eu o faço encarar mil programas "de quando em vez". Olhando à primeira vista somos diferentíssimos, mas depois de muita chateação e descoberta, conheço o que me parece relevante e nisso somos bem parecidos. Adotei uma gata, ponta firmíssima nessas jornadas de dois, três períodos trabalhando no laptop. Fiz as pazes com o irmão que adotei vida afora e já até nos revemos mais que no pré bate boca. Tenho consciência da limitação na quantidade de amigos, mas sou grata ao plus dos colegas "devezemquandários". Se há alguma providência divina, depois deu bater muito o fiofó na água, me encontrei numa série de espaços que batem com esse jeito idealista que já tentei mudar, mas acho que é defeito de fabricação. Essa é uma espécie de gratidão às avessas "energia criadora", mas se há como solicitar aperfeiçoamentos "universo gerador", preciso voltar a me exercitar, meditar mais, comer feito gente e cortar invasões bem intencionadas contra as quais já ensaiei diversas saídas. 2015 foi da colheita, do semear, ver brotar e cuidar contra chuvas e tempestades. É daqui pra arriba combinado Liga da Justiça? Com esse movimento "para o alto e avante", não posso chiar de ter entrado na faca pela nona vez. É sempre uma bênção para quem já teve déficit de sono aquela apagada estratégica da anestesia. Viver não é brincar de Pollyana? Ao menos tenho um porrilhão de histórias para contar.
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