Hoje é dia de entrar na faca. Nada de planejar aula, fazer projeto, editar livros que sairão por leis de incentivo, estrategiar formação para professores infantis, caçar editais... Devia ter madrugado para tomar café a tempo de ficar oito horas em jejum, mas quando o celular tocou devo ter dito "faz me rir, despertador", desliguei e afundei no sono de novo. Não é digno levantar às cinco da madruga. Tenho trauma desse horário desde os plantões do finado jornalismo. Quando finalmente consegui me livrar dos lençois - caramba, parece que eles "tem cocaina"´! - já não poderia comer, pois estouraria o tempo pedido sem nada no estômago. Só que...O médico era novo, o hospital e até o convênio! Para despistar um ensaio de ansiedade fui... Propor contações de história pela Internet. A pessoa quer ser empreendedora até na licença médica! A amiga da comunidade que ajuda a arrumar a fuzarca da casa chegou! Louvado seja Buda, posso me esquecer no home office! Quebro a cabeça para lembrar que página vi no Face de madrugada para propor projeto... Faço algumas prospecções, mas começo a sentir fome e ensaio pegar leve para o estômago não me enlouquecer. Daqui a pouco aparece pai, mãe e tia para me levar à internação. Quem semi nova como eu chega para operar glaucoma congênito com a torcida do Flamengo como acompanhantes? Dou todos os perdidos possíveis na parte de mim que quer ficar nervosa: falamos do caminho, das aulas, dos livros, da família... Lá no hospital quero sugerir contar histórias para humanizar a saúde. Sinto falta do trabalho que fiz pela Viva e Deixe Viver no hospital Cruz Azul. Me apaixono pela foto ou desenho de uma São Paulo retrô que já não existe mais na recepção. A bateria do celular morre e corta minha hiperatividade. Quando chamam pra enfiar minhas coisas no armarinho e por aqueles avental, touca e meia impessoais da sala cirúrgica, bem essa é a hora D. Só subindo na maca me deixo ficar nervosa. Chegam os anestesistas e já aviso:
- Tenho veia bailairna, deve ser de família, pois o primo Ignácio Loyola Brandão também tem. Se puder, usem agulha de bebê - tem que ser toda polida pra não se aborrecerem de você, pobre mortal, dar palpite na área deles. Levam três picadas, elas dançam, só conseguem me furar certeiramente dentro do antebraço, que doi mais que a mão ou atrás do cotovelo. Quando aparece o médico já piro: como ele pode vir tão animadinho assim pra me picotar? E se algo sai do planejado, como meu amigo oftalmo contou na residência que está fazendo? De onde raios ele arruma essa empolgação infantil? São escavações nada históricas, num olho de gente!
Ouço os anestesistas explicarem que farão a sedação tópica, só para ficar mais tranquila. Tudo entra em slow motion. Fico em estado de graça nesse estágio, parece barato, mas não de pinga, não consigo passar por isso à noite e tenho horror a ver ou ouvir a cirurgia, já que tenho trauma de lembrar de luz em cima de mim em mesa cirúrgica e gente de branco nas operadas beeeem baby. Capoto.
Volto com a corda toda, querendo fazer todas as perguntas do mundo, como se não tivesse deixado de ser jornalista. O médico me deixa falando sozinha e vai falar com a tia, a mais espertinha da família, acredita-se. As enfermeiras, sempre elas, humanas pra burro, trazem comida, proseiam. Gozado que há uma aviso para não usarmos adornos, mas acho que nossa necessidade de nos enfeitar é tão inata, que elas têm touquinhas coloridas, floradas, lúdicas. Reclamo deles se aborrescerem com perguntas, critico construtivamente a educação, até que alguém lembra que há três familiares ligeiramente ansiosos do lado de lá. A sensação do olho tapeado é como se despejassem areia antes de por gaze, mas já foi assim nas nas sete anteriores.
Volto pra casa implorando pela minha gata por perto, eles são tão terapêutcos e não pulam desgovernados em cima de nós, como os cachorros, mas a levam para minha tia, PhD em estragar felinos. Nos meus pais a ordem é repouso, ficar de barriga para o ar, mas negocio cachês e agenda deitada. Penso que para que aquele medico novinho me corte bem, ele treinou nos sem opção do SUS e me compadeço. E essa veia fanfarrona, que os anestesistas pegavam e ela sambava! Os colegas mandam sair do celular, mas o médico doido pra cortar mais um já tinha falado que se ficasse online, só não enxergaria a contento, mas também não desestabilizaria nada.
Cuidar de um pepino congênito é se acostumar às rotinas mais assustadoras: ser picotadas de tempos em tempos, anestesista tentar falar contigo na hora do rooonc, amigos e familiares meio pé atrás com a melhora e você fazendo e acontecendo pra dar perdido no ensaio de nervoso. Contanto que não me lembre mais de ninguém falando do meu quadril na maca cirúrgica, de luzes grandes em cima de mim e homens assustadores de branco, colaboro. Ao contrário das grávidas que temem estourar a bolsa, tenho medozinho dessa bolha do olho também se partir qualquer dia desses, mas faço de conta que não é comigo. Fazem um buraco controlado no meu olho, explicou uma médica amiga da minha mãe. Mais ou menos né doutora? A pressão sempre foi contida para não subir muito, só que nos últimos tempos ela só despenca! O olho vira uma uva passa assim, tem que estabilizar na unha de novo... E depois essa senação de meia pria de Ipanema na córna. Os pontos, ah, os pontos. Talvez tirem mais uns, só que no laser a gente até fica mais "de boas". Nessas sempre me pergunto: como é que alguém entra na faca deliberadamten?
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