Tive uma infância de cheiro inesquecível no norte do Paraná: cheiro de chuva, café e terra vermelha. Em São Paulo, minha mãe sempre mandava lavar o pé (agora me toquei, é lembrança de uma região em que casas, carros, cachorros brancos, todos viram marrons) e no ABC até tive algum quintal, mas mais caí que aproveitei, por conta de uma pegada desastrada sagitariana. Aqui em São João City, minha mãe sempre mandava entrar quando "estava ficando tarde" e os vizinhos solidários brincavam comigo no corredor. Devo pra minha criança interna subir em árvore, se lambuzar na lama e construir brinquedo. Em Santo André lembro de andar numa bicicletazinha do primo, antes dele mudar pra blasé Curitiba, de tomar banho de mangueira com a irmã dele e a tia divetida mãe dos dois, de ser enterrada na areia pelos primos em Guarulhos, brincar de bonequinhos guerreiros com eles, da minha
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Esse primo claro que já está maior que eu |
Barbie ser apaixonada pelos Falcons que os primos tinham e de outra tia desencanada me monitorar em viagem à praia por um pontinho ruivo que pulava láááá na água, enquanto ela preferia o sol e a areia. Liberdade mesmo, só nos tios! Graças aos primos e mais primos não posso cantar como
Cazuza "sou filho único e você tem que entender que somos seres infelizes". Mas lá onde a terra cheirava à chuva ou café, tinham outras primas e o que era mais mágico, um quintal com um esconderijo de um tio avô que devia ter toc e levava para lá qualquer tranqueira descartada por Deus e o mundo na rua. Lembro do banheiro de buraco no chão, das casas de madeira, da varanda com rede, da tubaína que meu avô comprava (não parecia tão doce quanto hoje), de parentes e mais parentes com aquela sabedoria ancestral que não tinha paciência de valorizar pequena demais. Mas havia uma subidona (ou descida, dependendo se era hora de partir ou de chegar) e árvores frutíferas neste quintalzão do avô (a filha dele infelizmente cortou tudo hoje, pena que não tem polícia florestal por lá). Vô tinha botas pesadas, cruzava a cidade de bicicleta, deixou escritas memórias dos tempos de pioneiro no norte do Paraná (atualmente ganhamos placas de rua com nome de antepassado),
paquerava no baile da saudade, subia em árvore com os pequenos já de cabelos brancos, puxava bloco de idoso no Carnaval e levantou gerações numa árvore genealógica em que chegou à conclusão "somos caboclo com caboclo". Não consta gringo e como meus pais são primos, parte dessa árvore se cruza fácil, foram gerações casando primos, eles viviam em fazenda, só visitavam parente, como raios conheceriam gente de fora dos Mendonça, Machado, Brandão ou Duarte? Meu colega prô de história diz que inveja meu pique (embora ele já tenha sido mais digno de neta do seu Renério, mas devo ter puxado parte do gás que sobrou dele). Ah, ele fazia bolinho de chuva, que agora estou com vontade de levar para os alunos (assado, pois sou teimosa natureba). Parte do talento jornalístico também vem dessa direção familiar, pois quando vô vinha para São Paulo, achava gente que tinha trabalhado ou estudado com ele há décadas, pelo 102 (parece que a Telesp tinha um serviço de auxílio à lista melhor que o da Telepar, mas hoje em dia quando tentamos o contato do Ministério Público ouvimos "assinante não autoriza divulgação". Incrível ainda ter teimoso com a cara de pau de defender privatização). Tinha mal estar de não lembrar a última vez em que conversei com seu Renério, pois quando ele ficou 3 meses internados antes de ir embora eu estava naquela fase de quase dormir na redação, com plantão e fim de faculdade. Mas minha mãe recordou que uma prima achou bonito eu cantar para ele no hospital. Tenho uma impressão que a contadora de histórias nasceu lá. Sei que fugi ao título leitor, mas a última vez em que voltei a Cambé, grudada à Londrina, não senti mais o cheiro de terra vermelha, café e chuva. Tô igual Drummond "Itabira é um quadro na parede/ mas como dói". Devia ser bonito plantar lá. Só desconfio que esse perfume da terra ficou na minha infância, não sei se por poluição, falta de água ou... Até os cheiros devem ser mais marcantes quando somos pequenos. Nem é aniversário de ninguém da família. Desconfio que este post nasceu por conta da... minha gata Peteca ser tão "criança feliz" quanto meus alunozinhos das creches. E de repente eu sentir falta da Luciana, Denise, Marcia, Michelle, Rodrigo, Carolina, Rogério, Ricardo, Tiago, Mariana, Raíra, Nathalia, Junior, Renerinho... Pra quem não está um estado abaixo... Um café antes do feriado acabar era providencial, não?