quinta-feira, 6 de março de 2014
Ensaio da travessia
Ela despenca da cama em frente ao laptop depois de um fim de feriado meio ursa hibernando. Está quase fazendo uni-duni-tê de como tirar o atraso dos projetos, mas o escritório começa a rodar. Tenta ir ao banheiro, mas as pernas dobram quando deviam ficar retas. Como na vez em que desmaiou dois anos atrás, os fones se recusam a completar a ligação. Se arrasta sentada à porta para destrancá-la. Editar os fones das amigas para chamadas a cobrar exige uma concentração sobre humana, pois o teclado do celular também roda. Pede que uma avise sua mãe. Nem entende bem o que diz à outra. Parece que avisa que vai empacotar. Se agarra ao travesseiro. Deitar parece mais assustador, então se senta. Acha que está indo embora e lembra da mãe que cisma que só ela e a tia acham a morte "a maior viagem". Lembra lá de uma palestra budista ou outra e do enrosco que é se agarrar na vida que se esvai. Respira. Ok, vamos embora. Aos 45 do segundo tempo se apaga a uma amizade. Bem, podia ser pior: quando a amiga planejou se matar, pensava na saudade que sentiria dos lençois, travesseiro... Arruma a mesa da cozinha de forma a dizer "foi isso que tomei" e ainda põe as receitas pra não parecer que se auto medicou. Isso exige um esforço absurdo, pois sua casa dobra de tamanho. É só uma manhã, mas parece durar dias. Estranha que não passa o tal filminho da sua vida na hora H, mas respira, acha que alguém que já foi vem buscar. Cisma que não fala coisa com coisa, mas os pais entendem na hora do socorro que o apartamento está virando de ponta cabeça. Procura a "irmã vizinha", que já estava no trabalho e a tia dela vem tentar ajudar. Dá a senha e a pasta em que começou mil versos, crônicas e livros, tem a cisma de que está de partida mesmo. Fala que não vai ao médico de camisola. Pede pra se desculpar pra quem ligou. Caramba, nem na hora de ir embora perde esse catzo dessa mania de se desculpar. Vai aos pais, o médico recomenda ao telefone dormir, é reação de três tratamentos distintos "dando congestionamento" interno. Horas depois, com a sensação de terra firme, planeja que não trancará mais a casa, terá sempre crédito no diacho do celular e desbloqueará ligação pro celular no fone fixo. Mas gozado, na hora H não lembrou do livro que não publicou, da viagem que não fez, só do filho que não teve. Eita mente fanfarrona!
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