Os trovões te anunciam e ao contrário dos meus vizinhos corro ao teu encontro. Me ressinto da avó me abençoando antes desse banho natural. Ao contrário daquela época, em pouco tempo embaixo de ti já tenho frio. Antigamente pulava nas poças, agora passo por elas sem tanto estardalhaço. Vejo os funcionários do conjunto correndo pras garagens, como faço quando o sol está esturricando. Quando cai é que evito as coberturas.
A tranquilidade com que enche cada espaçozinho nas calçadas e estacionamentos me reaviva um conselho velho de guerra do meu primo: "se fez o que tinha a seu alcance, deixa o barco fazer a curva do rio: se tiver que voltar retornará". E então deixo paixões meio esquizoides descerem com a correnteza. Tem um rio perto de casa, mas morto de indústria e esgoto. Na falta do mínimo essencial de natureza, é em tua queda que me refugio.
Devia cair sempre que estivesse em polvorosa com a ansiedade de minhas procuras profissionais. É no friozinho que sinto debaixo de ti que deixo escorrer essa sangria desatada, que como guia volta e meia me faz por os pés pelas mãos. Espero até que a lavagem seja também interna.
Peço encarecidamente que ponha as ideias em ordem: criação 1, 2, 3... Tanto a escrever, produzir, propor... E um gestação criativa se interpõe à outra, sem que no fim das contas consiga parir nenhuma.
Os vizinhos fecham as janelas. Gosto tanto de ti que quando vem, me esqueço que se não fizer o mesmo, lava meu chão, os lembretes, a luminária e a roupa que esperava que secasse.
O cheiro que sobe com tua passagem mistura asfalto e umidade. Acho que vou ao teu encontro esperando relembrar a mistura de aromas da terra vermelha, tua queda e café do norte do Paraná e por consequência, matar as saudades do meu avô. Só a memória provoca esse golpe de lembrança seletiva e sigo tentando apaziguar a falta que faz viajar para onde está o resto da família.
Os bichos onde moro se escondem bem quando desce. Não encontro um gatinho, pomba ou cachorro. Sinto falta de andar com o Bidu e lamento o sequestro dele para a casa dos meus pais. Meu bichinho mesmo se chacoalha todo quando voltamos destes passeios molhados. Não deve curtir tanto quanto eu.
Passo no parquinho que desconfio ser ISO 9001: os adultos não tem ideia como brincar nessas geringonças pós modernas. Devia ter feito outro percurso, podia curtir a balança antiguinha lá de baixo. Mas sabe Deus porque vim para estas bandas. Roteiro previamente alterado pro próximo banho gelado na rua.
O relógio me mostra que preciso voltar para o banho anterior ao compromisso de logo menos. Como quando pausamos para as atividades artísticas, os problemas continuam lá na retomada posterior deles, mas um respiro, por mais curto que seja, dá uma distanciada das dores e sob nova visão, elas voltam ao seu tamanho devido. Minha antiga vizinha tinha razão: banhos gelados são um anti depressivo e tanto, Naturais ou não. Valeu São Pedro!
quarta-feira, 19 de março de 2014
quinta-feira, 6 de março de 2014
Ensaio da travessia
Ela despenca da cama em frente ao laptop depois de um fim de feriado meio ursa hibernando. Está quase fazendo uni-duni-tê de como tirar o atraso dos projetos, mas o escritório começa a rodar. Tenta ir ao banheiro, mas as pernas dobram quando deviam ficar retas. Como na vez em que desmaiou dois anos atrás, os fones se recusam a completar a ligação. Se arrasta sentada à porta para destrancá-la. Editar os fones das amigas para chamadas a cobrar exige uma concentração sobre humana, pois o teclado do celular também roda. Pede que uma avise sua mãe. Nem entende bem o que diz à outra. Parece que avisa que vai empacotar. Se agarra ao travesseiro. Deitar parece mais assustador, então se senta. Acha que está indo embora e lembra da mãe que cisma que só ela e a tia acham a morte "a maior viagem". Lembra lá de uma palestra budista ou outra e do enrosco que é se agarrar na vida que se esvai. Respira. Ok, vamos embora. Aos 45 do segundo tempo se apaga a uma amizade. Bem, podia ser pior: quando a amiga planejou se matar, pensava na saudade que sentiria dos lençois, travesseiro... Arruma a mesa da cozinha de forma a dizer "foi isso que tomei" e ainda põe as receitas pra não parecer que se auto medicou. Isso exige um esforço absurdo, pois sua casa dobra de tamanho. É só uma manhã, mas parece durar dias. Estranha que não passa o tal filminho da sua vida na hora H, mas respira, acha que alguém que já foi vem buscar. Cisma que não fala coisa com coisa, mas os pais entendem na hora do socorro que o apartamento está virando de ponta cabeça. Procura a "irmã vizinha", que já estava no trabalho e a tia dela vem tentar ajudar. Dá a senha e a pasta em que começou mil versos, crônicas e livros, tem a cisma de que está de partida mesmo. Fala que não vai ao médico de camisola. Pede pra se desculpar pra quem ligou. Caramba, nem na hora de ir embora perde esse catzo dessa mania de se desculpar. Vai aos pais, o médico recomenda ao telefone dormir, é reação de três tratamentos distintos "dando congestionamento" interno. Horas depois, com a sensação de terra firme, planeja que não trancará mais a casa, terá sempre crédito no diacho do celular e desbloqueará ligação pro celular no fone fixo. Mas gozado, na hora H não lembrou do livro que não publicou, da viagem que não fez, só do filho que não teve. Eita mente fanfarrona!
terça-feira, 4 de março de 2014
Os filhos do Carnaval
Como já fomos concebidos sob confete e serpentina, temos ligeiro bode de bloco de rua. Saímos num e "já tá bom demais da conta, sô". Mas também nos recusamos a fazer "lição de casa" ou tocar vida prática. Trabalha-se o mínimo necessário, mas somente em caso de sangria desatada. Folia-se uma cota obrigatória, que é pra não fazer feio de ter vindo ao mundo em pleno "esquindô, esquindô". Recebe-se uns amigos que é a atividade mais sensacional que já inventaram nesse mundão de meu Deus. E de preferência corre-se de hospital "sem hermano cucaracho", que é pra não passar uma dose dispensável de raiva (ou comparece ao PS com seu "heroi da madrugada", quando o choque evita de rodar a baiana, que é a resposta merecida de médica preguicenta que não pode seguir orientação da farmacêutica por ser "pouca coisa abaixo de Deus"). Medita-se doses homeopáticas. Não se perde da amiga, que é pra não escrever desesperada pra Deus quando ela ligar pra lá de Bagdá e vocês estiverem a léguas de distância, sem dinheiro uma da outra. Fica-se horrores na horizontal. Engole-se TVzinha de quinta categoria por razões que só a paixão ousa explicar. Confere-se com a mãe que deve ser filha do Carnaval, foi feita num feriado, mas o sono urgindo impede uma procura com mais acuidade, afinal, é o feriado mais longo do calendário, onde se desculpa todo movimento bicho preguiça irreversível. Faz-se contatos imaginários de 2o grau pela benta Internet, mas os camaradas web podem estar treinando pra aprontar filhos do Carnaval e a gente releva, se entregra pra essa força meio Dorival Caymi, em que se pára de ouvir a Vila do Sapo histérica, com seus funks e sambas de sempre. Cachorros incomodam os que fazem filhos do Carnaval. A mãe estranha tanto sono. Mas os filhos do Carnaval não. Farão os melhores tratamentos pra cútis: abraçar Morpheu. Os filhos do Carnaval ainda lamentam as estratosféricas distâncias da cidade e os dois dias querendo fugir pra casa do amigo pra conferir se a gatinha sobe na barriga de novo. Os filhos do Carnaval criam sua própria fantasia em memória dos bailes infantis, caracterizados de Pierrô em clubes família, onde ainda não se agarrava a três por quatro. Os filhos do Carnaval desconfiam que não deviam negar uma folia e que Capricornianos podem estar entre eles. Mas o barato de tratar três coisas ao mesmo tempo é menos periculoso que encher a lata na rua. Os filhos do Carnaval se ressentem do namorado doente. Cama também te amo e estou quase chegando. Guenta a bronca. Arrumar o quarto? Não inventa camarada, que coisas cotidianas não se resolve no Carnaval. Filhos do Carnaval imaginam que deitariam e rolariam no maior bloco do mundo, de Recife, preferencialmente entre primos. Mas já ficaram com claustrofobia da gentarada em plena São Paulo, menos muvucada. Alguns filhos do Carnaval se percebem "semi novo" e mergulham nos lençois que é pra não desperdiçar água salgada num feriado tão profano e ao mesmo tempo, bento pra caraca..
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