segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Nas ladeiras de Olinda

Aquele som invadia peito adentro e ditava o compasso do coração. Se sentia mais brasileira que nunca. Desconfiava não ter gingado até por os pés em Olinda, naquele Carnaval de molhar os olhos e a alma. O ritmo veio ao encontro dos seus pés, do seu corpo como criança que corre para o pai, mais natural que o encontro das águas.
Com os bonecos voltava à infância, arregalava os olhos e quase queria correr quando eles passavam, tinha vontade de bater foto de um por um. Estava pior que turista japonês. O que quebrou a magia do seu primeiro Carnaval em Olinda eram os puxões de orelha do namorido meio garoto enxaqueca, nada fã destas brasilidades carnavalescas:
- Outro clique? Estes bonecos são todos iguais.
Não eram. Aquele Carnaval tinha um quê daqueles que a avó, a mãe contavam, uma tentativa de reter em algum detalhe a inocência quase perdida desta tradicional e importante festa pagã, um alegrar-se à toa, um entregar-se graciosamente à serpentina.
Deixou a máquina meio esquecida pendurada à fantasia para ver o bloco passar e com ele se encantar, como quem se desvirgina de Carnaval Pernambucano. Ouvia um trecho de nada, o coração gravava e já saía cantando.
Soltaram as mãos por uma fração de segundo e ele surgiu. O cara que fez a trilha sonora mudar, a passagem do bloco se tornar mais lenta, a briga com o namorido menos chata, o calor mais tolerável. O momento meio curta metragem, fora do tempo espaço. Os olhares se interceptaram como policiais que fazem vistoria desconfiados.
Ele veio roubar um beijo. E que beijo! Esqueceu câmera, bonecos, suor, bolha nos pés, sede, ritmo batendo forte dentro do peito, fantasia desmontando com o calor, fome, aperto no meio do bloco...
E namorido.
- Ei! - ouviu dele, de volta à realidade e tomou uma sacudida.
O corte foi brusco e o pernambucano de sonho tratou de sumir na multidão.
Era mais um agonizar de um amor que vivia em convulsão. Talvez por isso o namorido facilitou a perda dos caros acessórios fotográficos.
Mas também era um provocar de revoada de borboletas apaixonadas no estômago. E uma bem vinda confirmação de que estava mais viva que nunca.

2 comentários:

  1. Fran ... parabéns pela retomada ... parabéns pelo texto. Das minhas mais remotas lembranças do seu quarto, lembro de vc escrevendo, rabiscando, pintando ... continue assim criando sempre e irremediavelmente esperançosa!

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  2. Você, pra mim, é uma cineasta das palavras.

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