Aquele som invadia peito adentro e ditava o compasso do coração. Se sentia mais brasileira que nunca. Desconfiava não ter gingado até por os pés em Olinda, naquele Carnaval de molhar os olhos e a alma. O ritmo veio ao encontro dos seus pés, do seu corpo como criança que corre para o pai, mais natural que o encontro das águas.
Com os bonecos voltava à infância, arregalava os olhos e quase queria correr quando eles passavam, tinha vontade de bater foto de um por um. Estava pior que turista japonês. O que quebrou a magia do seu primeiro Carnaval em Olinda eram os puxões de orelha do namorido meio garoto enxaqueca, nada fã destas brasilidades carnavalescas:
- Outro clique? Estes bonecos são todos iguais.
Não eram. Aquele Carnaval tinha um quê daqueles que a avó, a mãe contavam, uma tentativa de reter em algum detalhe a inocência quase perdida desta tradicional e importante festa pagã, um alegrar-se à toa, um entregar-se graciosamente à serpentina.
Deixou a máquina meio esquecida pendurada à fantasia para ver o bloco passar e com ele se encantar, como quem se desvirgina de Carnaval Pernambucano. Ouvia um trecho de nada, o coração gravava e já saía cantando.
Soltaram as mãos por uma fração de segundo e ele surgiu. O cara que fez a trilha sonora mudar, a passagem do bloco se tornar mais lenta, a briga com o namorido menos chata, o calor mais tolerável. O momento meio curta metragem, fora do tempo espaço. Os olhares se interceptaram como policiais que fazem vistoria desconfiados.
Ele veio roubar um beijo. E que beijo! Esqueceu câmera, bonecos, suor, bolha nos pés, sede, ritmo batendo forte dentro do peito, fantasia desmontando com o calor, fome, aperto no meio do bloco...
E namorido.
- Ei! - ouviu dele, de volta à realidade e tomou uma sacudida.
O corte foi brusco e o pernambucano de sonho tratou de sumir na multidão.
Era mais um agonizar de um amor que vivia em convulsão. Talvez por isso o namorido facilitou a perda dos caros acessórios fotográficos.
Mas também era um provocar de revoada de borboletas apaixonadas no estômago. E uma bem vinda confirmação de que estava mais viva que nunca.
Fran ... parabéns pela retomada ... parabéns pelo texto. Das minhas mais remotas lembranças do seu quarto, lembro de vc escrevendo, rabiscando, pintando ... continue assim criando sempre e irremediavelmente esperançosa!
ResponderExcluirVocê, pra mim, é uma cineasta das palavras.
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