domingo, 29 de junho de 2014

Coxinização de uma metida a alternativa

Ver os militantes mais xiitas cutucando os caretas via Internet com as imagens de coxinhas cheias de plaquinha reivindicando o supérfluo rendia risadas e uma certeza meio petulante de não fazer parte daquele universo: imagine, politizada de carteirinha, estudei com a filha do Lula, tive pai sindicalista, morei a vida toda ao lado do Heliópolis, não estou aí nessa “fornada gordurosa” gravitando em torno do próprio umbigo. E ainda tinha feito jornalismo para mudar o mundo: pausa para gargalhadas.
Recentemente passando uma tarde com amigos de histórico escolar em colégios públicos, um que me considera desertora por ter migrado da escola estadual para a particular, fico com o rabinho entre as pernas quando brincam:
- Você podia ter sido uma baita coxinha nascendo em São Caetano, mas caiu na casa dum sindicalista, olha que carma bom!
Há quase uma semana venho refletindo nessa bipolarização política da direita e esquerda extremistas. Os menos exaltados também acreditam aqueles que se veem politizadíssimos mas enxergam uma revolução nestes países em que a queda do antigo poder acarretou uma perseguição aos dialetos regionais tradicionais uma espécie de “ursinhos carinhosos vermelhos”.
Fui admitindo minhas falhas nos últimos tempos: antigamente qualquer começo de papo político significada para mim uma subida ao palanque que tenho na garganta e uma prosa de varar madrugadas. Quando o PT deu uma flexibilizada, como não agüentava mais ouvir os colegas apontar o dedão no rosto e acusar: “e agora esquerda, vai defender o que”? E fui usando a técnica de uma tia, mudando de assunto até brochar com essas conversas. Daí retomo contato com quem não parou a militância, seja virtual ou pessoalmente. Admito: sou meio coxinha ursinhos carinhosos.
Uma vez recebi em casa uma parceira de trabalho da maior favela de São Paulo, por proteção mesmo e depois soube que quando ela dizia onde estava morando os vizinhos do Heliópolis consideravam que ela “tinha virado boy”. É dentro deste bairro, num condomínio de 48 prédios cheio de árvores, parque para criança e terceira idade, sou meio privilegiada. Ah, uma coxinha vegetariana meio fantástico mundo de Bob, vá!
Durante muito tempo fui viciada nesses cafés com canela, chantili, tanta coisa que meu pai acusava:
- Isso aí já é uma torta!
Mudando da comunicação pra educação vi que era uma esfregada desnecessária de dinheiro na parece: minha amiga que limpa aqui em casa traz uma misturinha idêntica aos melhores capuccinos da cidade. Semi coxinha gourmet,digamos... A paixão pelos naturebas preço único ou por prato também não colabora. Coxinha aspirante a vegana.
Domar cabelo poim oim oim: não vem dizer que quem tem cabelo liso sabe o que é “bad hair Day”, isso é coisa de quem dorme com o dito cujo lindamente enrolado e acorda meio Medusa, esticados, chapados ou tobogãs de nascença nem sabem do que se trata. Até assentamos com um hidratante e óleo de ponta simples, mas o ativador de cachos precisa ser contrabando de profissional, produto de salão, para nos sentirmos fazendo propaganda de produtos para cacheados. Coxinha peruete.
Adoro o forró e samba aqui da comunidade ao lado, mas fico sem graça de atravessar meia dúzia de ruas e ir lá dançar com eles, não sei, ia com o ex mano e dá uma rara timidez de chegar assim na cara larga. Coxinha me engana que sou tímida.
Amo roupinhas meio alternativas, estilo novos estilistas da feirinha do Center 3 de domingo na Paulista, praça Benedito Calixto e por aí vai. Nada muito acessível. A sorte é ganhar muito disso das tia e prima generosas, de bom gosto e consumistas. Coxinha estilosa.
Ah, mas tem uma militância no Movimento das Mulheres do Heliópolis, uma circulação pelas peças do Sesc, Centro Cultural e Sesi, filmes da sessão popular do Frei Caneca, inexplicável conexão ancestral com centros de umbanda e candomblé, sangria desatada por trilha, cachoeira em quebrada escondidinha na natureza, tara por brechós... Empate técnico!
Sei não, estou mais para bolinho de queijo heim? Combina até com essas espinhas retardatárias de pele oleosa...

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Biblioterapia

A gente se sente meio fora desse mundo e corre para as prateleiras, fica lá acolhida, conhecendo outros escritores e dando uma de "Lucas Silva e Silva", como diz minha colega de trabalho. No caso de dúvida, leio. Em caso de desentendimento não esperado, também. Eles sempre me entenderam e me carregaram no colo, os livros. Ali, nem incomoda muito esta disforia de não pertencer ao mundo, ao trabalho, aos amores ou à família. Até a alergia ao pó deles se releva. Os antigos arquivamentos, iguaizinhos à minha época de rata de biblioteca, em que, como o primo Ignácio de Loyola Brandão, só não lemos as enciclopédias, ele em Araraquara, eu em São João Clímaco e Vila Mariana. Precisando rir, Luis Fernando Veríssimo. Chorar, o pai dele. Voltar à infância Ligia Bojunga. Me surpreender, Miriam Leitão para crianças. Reiventar, Manoel de Barros. Nem os arquivamentos novos causam estranhamento. Deixa a literatura carregar no colo, que desde a infância ela sempre foi irmã, namorado, irmão, bicho de estimação e o que mais precisasse.
Descobri qual a razão dos meus pais e madrinha reclamarem que quando me entretinha numa obra (e mais adulta, com revistas), não tinha Cristo que entrasse naquele universo ou me resgatasse dele. Atendendo outro nerd litérário como eu:
- Você vai devolver ou emprestar esses?
Tu tu tu...
- Quer levar o gibi também?
Silêncio constrangedor do lado de lá do balcão.
- Vai pra aula ou sua mãe vem te pegar?
Vácuo.
O mundo das letras é sempre muito mais acolhedor que o do lado de cá. É possível entrar na fantasia do autor. Ou criar a nossa, como quando desenhava e inventava minhas histórias. Meu amigo capitalizava melhor e até as revendia. Eu sentava em cima das antigas e mirabolava novas. Estes dias quis encontrar uma feita sob medida pro meu primo, antigo baterista, mas desconfio que meus pais não guardaram tudo entre as duas ou três mudanças dos últimos anos.
O ex brinca que sou igual um galozinho de desenho animado, que tinha grandes óculos e também vivia atrás dos livros. Não lembro desse personagem, pode não ser da minha época, sabe-se lá. Mas pagava para não largar os livros. E por isso vivia em greve de fome, não queria deixar de ler para comer. Sempre achei que os médicos estavam certos, que se tivesse comida em casa, não precisavam insistir, uma hora comeríamos, mais cedo ou mais tarde procuraríamos alguma coisa. Que ilusão! Minha amiga, cuja mãe deve ter acreditado nestes médicos otimistas, deve ter desistido de insistir, mas recentemente num exame para se exercitar, esta amiga estava subnutrida. Aliás a maioria dos grevistas de fome da infância da geração de 30 e pouco virou vegetariano adulto, mas isso é assunto para outro post.
O bacana é que este ambiente está me reativando o sonho de ser escritora. Sei que já publiquei algumas páginas em coletâneas aqui e ali. Mas como filha única típica queria "um livro para chamar de meu". E vamos, que o barco não para. Nem em feriado!

domingo, 8 de junho de 2014

"Planeta Terra Chamando..."

A literatura me carregou para uma lembrança boa: ir à casa da madrinha de caderno, lápis, canetinha... Brincar com os primos, meus manos adotados até hoje, mas a tia lembrar que a visita terminava registrada no meu caderno, com o título de "minha festa na madrinha". Ligia Bojunga me catapultou bonito pros tempos de Vila Industrial e Guarulhos. Talvez por este ano não ter conseguido ligar pra tia no dia das mães, como costumo fazer com as irmãs do meu pai, que muitas vezes fizeram as vezes de na minha infância.
Pouco depois foi o Marcelo Vassalo, com sua fantatiosa lembrança de brincadeira na praia com o pai que me remeteu aos túneis que cavei com estes mesmos primos, na reforma ou construção da casa da madrinha, quando brincávamos com aqueles bonequinhos "secos por uma guerra sem motivo" e por fim eles terminavam me enterrando num buracão de areia. Era uma luta inglória uma mulher contra três irmãos, que só foram brigar adultos, quando o fundamentalismo religioso respingou entre os três mosqueteiros da minha infância.
Devolvendo Mirna Pinsky às prateleiras lembrei que na infância depois de devorar algum livro dela mandei uma carta, fui respondida e ando revisitando eletronicamente este hábito de querer entrar em contato com o autor, por isso também escrevi ao André Neves depois de ler Tom, um dos indicados como melhores livros de 2013 pela revista Crescer. Fui atraída pelo apelido do meu melhor amigo, captei nas entrelinhas um significado pro personagem ser tão encimesmado, depois os desenhos me levaram pra outro entendimento.
Me refestelando nas prateleiras de biblioteca infanto juvenil, dou razão à ex chefe: os designers e desenhistas é que são felizes! Nostalgia de não ter parado de fazer histórias em quadrinhos na infância, talvez. Esse "paraisinho" não tem o cheiro daquelas bibliotecas em que esqueci o tempo e preenchi muitos cartões de empréstimo na infância. Nem os livros infantis de quando sonhava em ser desenhista tinham desenhos tão ricos. Que milagre! Alguma coisa não era melhor na minha época...
Levantei linhas mais lúdicas da Miriam Leitão (que quem diria, além de analisar o petróleo do barril Brent, também defende os pássaros), Graciliano Ramos (nem só de Memórias do Cárcere vive um grande escritor) e Marina Colasanti (associei Breve História de um Pequeno Amor ao Veludinho que li na infância, mas louvado seja Deus, encontrei um final menos chororô).
Zeca era Diferente nos alivia da síndrome de ser a ovelha vermelha da família, até dá razão à amiga que consolava: "num mundo doente, não é mérito nenhum se encaixar nele". E Anjo do Lago tranquilizou a alma aflita carente de uma fé que estão olhando e cuidando de nós, nossos sonhos e missões, já que só enxergamos umas casas do tabuleiro, mas a providência divina vê o jogo inteiro.
Uma Chapeuzinho Vermelho fez rir alto - não muito bem vindo em ambiente de concentração e estudos - com a malandragem brazuca da clássica personagem das histórias ouvidas ao rodapé da cama, antes de pegar no sono. E aqueles desenhinhos com ar de fugidos da pré infância, que alento visual - e esperança à vista das minhas historinhas querendo sair da gaveta.
A negociação e saída criativa encontrada no impasse dos personagens de A Ponte dá espaço à metáfora de aplicação na vida: sempre podemos bolar uma resolução impensada que auxilie todos sem prejudicar as necessidades dos envolvidos.
Finalmente mergulhar na história que não nos contaram em 1822 foi reviver a encenação de Enfim, o Paraíso e rir lembrando da minissérie O Quinto dos Infernos. Começamos em várzea, como podemos fugir ao estigma de praticamente ter comprado a independência, de pouco conhecer a participação da heroína nordestina Quitéria e Leopoldina na independência e da "guerra" por nos separarmos de Portugal ter sido passada como um acontecimento pacífico?
Vô Renério e suas memórias encadernadas, primo Ignácio de Loyola Brandão e demais ratos das letrinhas familiares têm razão: as prateleiras, páginas impressas e desenhos evocativos da imaginação são as melhores companhias! O povo tem que me convocar pra bater cartão, pois como na pré infância, teimava em não deixar de ler ou escrever nem pra comer ou dormir...