sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Virada espiritualizada

Você chegou ano cheirando a tinta nova e as imagens de fogos de artifício vieram de encontro aos nossos mantras. Quem puxou as orações advertiu que podia chorar, mas quem "abriu a boca" fui eu, tomada por uma súbita alegria de repentinamente entender o que dizia a enigmática sadana. Sou uma colecionadora de retiros, mas em Extrema, quando me mostrei vulnerável não fui julgada, aí não contive a represa mesmo. Ri gostoso com a mãe do anfitrião, tentei ajudá-la e nas entrelinhas tive saudades do meu avô. Pela primeira vez retirada fui não só super bem alimentada por um chef de vocação, mas também coloquei a mão na massa com ele. Tagarelei com a vizinha de cama e incomodei a vizinha de quarto. Cochilei no banco de trás da carona, "filei" a internet do filho do anfitrião, fiz rir, contei histórias e arrepiei, me emocionei com longas histórias de paixão genuína, ouvi tango com a mão no forno, escutei canções russas e poesias espanholas, andei pelo meio da natureza rocolhendo lixo e me deliciando com prosa política, "aluguei" câmera de celular alheio, imitei tai chi chuan e um professor generoso, dancei de pés descalços na grama pela paz, entrei em 2014 devolvendo ao mundo minha fertilidade, me esparramei na rede, meditei, me senti entregue no meio do sutra, irritei com a TV, acordei com ronco, tive medo de mariposas e confundi rã com sapo. Nas sessões de cinema noturnas, tive "inveja branca" da concentração dos presos meditando na Índia, me identifiquei com o "sincericídio" da personagem bêbada na ficção e tive outras curiosidades no documentário da cremação de Riponche. Enchi os ouvidos da sangha com meu barato de sono, distraí as mordidas do cachorro Zip com cafuné na barriguinha e quem diria, achei um mano de palco. É lugar comum dizer que nunca voltamos os mesmos destas "bolhas de prática". Mas retorno maravilhada pela energia da identificação e encantada por ter saído da minha temporada hibernando. Coloquei o pé neste ano "brincando de mulherzinha" e me propondo a ser mais cuidadosinha comigo. Porque a pele, o cabelo e o olhar alheio merecem. 2014 vem aos pouquinhos porque foram trancos demais nos últimos 2 anos e ainda não cicatrizei tudo tá?

sábado, 25 de janeiro de 2014

Renovação

E o ano se despiu inteiro
me convidou com alegria infantil:
tudo como sonhava
cheirando a tinta fresca!
Olhei por cima do ombro
e me justifiquei:
vinha trazendo essas memórias
Com sabedoria ancestral
2014 me interrompe:
basta de estudos budistas sobre desapego
passa o tempo de praticá-lo
Dores antigas se remoem em mim
ainda reinvindico:
estes sonhos me acompanhavam
desde muito menina
Deixa de arrastar
esse peso morto
te perdôo:
não sentes pelo nariz alérgico
Abandonei cismas moribundas
vim para a beira do rio
sentei e estiquei os pés
senti aquele frio de cachoeira
o que leva dores velhas de guerra
A nova profissão e ensaio passional
têm cheiro de grama
e me botam insuportavelmente feliz
leva esta insônia água
o velho de guerra
não "dou conta mais não"

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Ontem e hoje: eu te predigo

Encoxa tuas afinidades comigo
E te prometo como abrigo
A sombra fresca do meu umbigo
Farei de tudo pra que ali não haja perigo
De resto ofereço de meus sonhos, o joio do trigo
E no teu idealismo, peço carona contigo.
E do meu eu mais íntimo: entrego de bandeja meu ímpeto amigo
Independente do que vier, não deixa o transmutar da emoção se tranformar no teu inimigo
Esse caminho sedutor é um recurso antigo
Só não me troque por um cheiro de liberdade antigo
Essa atração do zodíaco rende numa revista feminina um místico artigo
E muito mais das minhas dores, não te digo
Prefiro ficar com o silêncio do teu pescoço gosto de figo
Um assentar destas emoções dispersas há tempos persigo
Não importa a que nos entreguemos, um alumbramento é o que persigo
E guarda no teu bolso esse golpe sedutor de raparigo.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Flor de Maracujá

A tamanduá bandeira
foi chamada de flor de maracujá
o ouvido abraçou o carinho
mas a internet não me traz
o cheiro dela
sua textura
e pensando bem
nunca pintei o cabelo
de salmão e roxo
Ela é rasteira
ou dá no alto?
Também é conhecida
como passion fruit flower?
Vontadezinha de por
uma floreira na janela
e ao invés da vizinha
do prédio ao lado
ter mais cores e aromas
aqui pertinho.
Flor de maracujá
nasce perto de rio cinza?
Ela resiste a bailes funk
da Vila do Sapo?
E aos apitos
das fábricas da periferia?
Gosta de conversa?
Ou quer praticar o nobre silêncio?
Prefere sol da manhã
ou tarde?
Pode ficar embaixo
de bandeirinha budista?
Abriu um broto
na porta de saída
da caverna
da ursa panda
fora do auto exílio.
Chove mais
São Pedro
que o cheiro
d´água é nostálgico
Bora pro frio na espinha
Evoé


quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Silêncio significativo

Ela queria escrever que voltou a parir poesia depois de um tempo significativo fugindo dos versos. Que se encantou e tentou não descarrilhar ladeira abaixo com a energia que voltava a dar cambalhotas depois de um longo inverno. Chorou por começar a entender e visualizar parte das orações budistas que vivia repetindo em reencontros com os parceiros espirituais. Desenferrujou as mãos em quick massage de passagem de ano e as palmas e dedos quiseram saber quando repete a dose, pois é terapêutico pra quem faz também. Voltou a fazer diário como o avô. Se emocionou de lembrar os pais e a ex chefe a colocando numa posição amorosamente elevada quando não esperava ou nem lembrava o que fazia melhor. Viciou nas sestas diurnas. Meditou cortando manga, cará e batata. Nunca esteve tão presente em refeições temperadamente criativas e naturebas. Teve dficuldade de dormir, como era de se esperar. Ganhou ajuda com mala. Cochilou na carona. Divertiu os colegas. Ganhou estímulos.. Sonhou na mesma direção do outro, o que já contribui muito pra dar certo. Se viu pela lente mais generosa alheia. Trabalhou uma impacienciazinha fora de lugar. Prestou atenção na respiração com a paisagem da pista de voo. Colheu lixo na mata. Lembrou como era uma pinga sem contra indicação debater educação e política se indignando nos mesmos absurdos. Contraditoriamente depois praticou o nobre silêncio ao invés de subir no palanque da garganta. Sentiu saudades de atitudes que já nem lembra quando recebeu. Se esqueceu na rede. Ganhou carinhos de mães alheias. Descobobriu indicações naturais contra infecção de urina e gastrite e quis dividir com amigos e familiares. Quando voltou parou nas lixeiras recicláveis e se questionou onde descartava paixão datada. Procuou o que ainda a representava para simbolicamente por no lixo. Não encontrou dentro e nem fora. Voltou mais leve do que já sentia. Entendeu quando o amigo falava da falta de palavras pra certas situações. Se entregou mais cedo pro toró fazê-la dormir. Enfim em sua cama que o sono é temperamental. A bruxinha que habita nela acha simbólico entrar o ano sangrando, recitando mantra, ouvindo fogos e chuva. Não só o ano será novo. Ela também.